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Liberta, DJ

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Renato Parada

Brasil é racista? Sim. O Brasil é um país racista. É só você ver a condição em que os pretos estão. Os pretos não são vistos. Não são vistos nas capas de revista, não são vistos no Congresso. Poucos são vistos nas ruas, porque moram nas margens da cidade. Os pretos não têm dinheiro. Poucos têm. Os pretos não têm educação. Em todos os problemas do Brasil, há pretos envolvidos. Eles sempre aparecem mendigando, de cabeça baixa, vistos de uma maneira ruim. Os termos pejorativos, apelidos e xingamentos continuam. Macaco, preto sujo, negão e neguinho são xingamentos pejorativos que continuam. Os olhares de negação quanto à sua presença continuam na rua, no metrô, no ônibus, nos restaurantes, nos bancos, quando você está dirigindo um carro bonito. Quando o negro é informado e educado e chega aos lugares, as pessoas não podem reprimir ou repreender, mas elas olham com ódio porque o cara subiu de nível. Não de nível social, mas no nível da autoestima. Toda essa negação do negro ainda é muito forte. Está no que vemos no futebol, nos skinheads agindo na madrugada, nos programas de TV que fazem chacota a toda hora. Não dá para esperar muito de um país que está nas piores posições nos rankings internacionais de educação.

racismo tem jeito? Qual? Vou usar uma frase da [apresentadora americana] Oprah Winfrey: os racistas devem morrer. O racismo é uma mentalidade e eu estou cansado dela. Cansa você falar que precisa de uma reeducação no país, cansa falar que as cotas ajudam. É uma mentalidade doente. Essa frase é dela e eu assino embaixo. Eles têm que morrer!

Como seria sua lista de dez melhores músicas feitas por artistas negros?

Negro drama” / Racionais Mc’s

Canto das três raças” / Clara Nunes (Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte)

Zumbi” / Jorge Ben Jor

Fear of a Black Planet” / Public Enemy

Off the Wall” / Michael Jackson

White Man’s World” / 2Pac

Odiados amigos” / X da Questão

Equinox” / John Coltrane

Haiti” / Gilberto Gil e Caetano Veloso

Get Up Stand Up” / Bob Marley

1999” / Common, Talib Kweli e Sadat X


Pretinho, pretinho

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Arquivo Pessoal

Astrid Fontenelle, 53, jornalista, é apresentadora do programa Saia justa, no canal GNT. É mãe de Gabriel, um menino negro, de 5 anos

Que fique claro, odeio racistas. É crime. Na minha turma e em todas as turmas que tive todos éramos assim. Na teoria era fácil bradar. Até que em 2012, ao deixar meu filho, então com 3 anos, na porta da escola, ouço um pejorativíssimo “pretinho, pretinho”. Era um loirinho um ano mais velho do que ele. Não bradei. Gelei. Senti na pele a dor que o preconceito causa. Também não chorei, como todos que me conhecem acreditavam que teria feito. Fui firme. Porque, ao mesmo tempo que sangrou, veio a dignidade e o orgulho de ser negra. Todos somos... porra, sou filha de mãe descendente de portugueses e pai com ascendência duvidosa – pelo cabelo durinho, negro passou por ali. E explicitamente sou mãe de um menino negro com dreads no cabelo.

Não bradei porque tive mais pena do menino, que com tão poucos anos de idade já discriminava um igual por ser de cor diferente.

Dias antes o Gabriel tinha me perguntado qual era sua cor, e eu disse “negro”. Ele insistiu. E eu disse “preto”. E ele insistiu mais uma vez. E eu disse “marrom clarinho”. Conversamos sobre cor e raça, na medida da compreensão dele, e ficou tudo bem. E aí dez dias depois acontece aquilo?

Tudo foi muito rápido e eu só poderia exigir da escola (que inicialmente, e diante do choque, sugeriu que leriam livrinhos nas salas de aula) que eu conhecesse os pais do menino.

Foram horas de conversa por telefone. Foi um exercício de atenção para com o outro. Não eram preconceituosos, mas não sabiam de onde teria saído isso. Da cabeça do garoto sozinho?

Que tenha ficado ali, e em mim, a importância de prepararmos nossos filhos pra um mundo de iguais. Onde a única coisa que eu insisto em distinguir é o caráter.

Que o menino loirinho e o meu pretinho aprendam juntos a construir uma sociedade mais justa para todos!

Vai lá Astrid Fontenelle também colaborou com a Tpm deste mês.


“Você tra­balha aqui?”

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Arquivo Pessoal

Claudia Lima, 44 anos, jornalista. Trabalhou como diretora de redação na Trip Editora e hoje é editora do canal Comidas e Bebidas do portal UOL

Sempre fui a típica menina de classe média. Meu pai, contador, teve condições de nos dar uma boa casa, tinha bons carros, e eu e meus irmãos sempre tivemos boa educação. Até os 14 anos, estudamos em um colégio de freiras onde éramos os únicos negros. Lembro de uma tia que sempre me perguntava: “Você não tem amigas negras?”. No colégio, não. E quase sempre foi assim – na faculdade (bem menos), na maioria das redações em que trabalhei, nos prédios em que morei. E continua assim até hoje.

Mas quando me mudei para meu atual endereço, um prédio de classe média na zona oeste de São Paulo, senti na pele como o racismo é latente aqui no Brasil.

Para alugar o apartamento, tive de provar por A mais B que eu realmente “merecia” morar ali. Nada parecia suficiente. Nem ter um casal de fiadores impediu o mês inteiro (um mês!) de dor de cabeça, infindáveis idas a cartórios e até ter de pedir a uma advogada conhecida para me ajudar a provar que uma homônima – e não eu – é que tinha problemas com a Justiça, em outra cidade. Chegou uma hora em que não aguentei: questionei se o problema todo era o fato de eu ser negra. Negaram, claro. Várias pessoas me perguntavam se aquele era o único apê do mundo. Não seria melhor desistir dele? Mas àquela altura, ah, eu ia morar ali. Só de raiva!

Adoro minha casa, os funcionários do prédio, a síndica. Mas durante muito tempo eu fui a única negra ali. Também perdi a conta de quantas vezes ouvi de moradores (e faxineiras): “Você trabalha aqui?”. Diante da negativa, é batata: me olham com os olhos arregalados, me medem da cabeça aos pés para depois emendar: “Como assim? Mas eu nunca te vi!”.

coisa fica ainda pior quando meu namorado (branco e estrangeiro) vem me visitar: apenas ele recebe bom-dia (eu pareço invisível). Até a hora em que, de propósito, solto alguma frase em inglês. Aí, vocês já sabem: olhares de espanto, seguidos de um “ah, tudo bem?”. Humpf... Até quando as pessoas vão achar que negro não pode morar bem, ter carro bom e viver decentemente, como qualquer branco? Para todos os racistas, meu recado: aceita que é melhor. Isso não vai parar!

A coisa fica ainda pior quando meu namorado (branco e estrangeiro) vem me visitar: apenas ele recebe bom-dia (eu pareço invisível)”

Vai lá Claudia Lima também colaborou com a Tpm deste mês.

Trocaria todos os meus títulos pela igualdade

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Bruno Senna/Divulgação

Tinga, 36 anos, jogador de futebol do Cruzeiro, sofreu ataques racistas durante uma partida em fevereiro deste ano

que aconteceu comigo foi noticiado no Brasil inteiro [durante uma partida do Cruzeiro contra o time peruano Real Garcilaso, pela Copa Libertadores, a torcida imitava sons de macaco a cada vez que o jogador pegava na bola]. Recebi ofensas racistas e não vou fazer sensacionalismo em cima disso, mas é triste ver que isso tem acontecido em todas as áreas, infelizmente. Estamos em 2014 e é uma coisa mais velada, mas que existe.

olha que, pro cara que conquistou o sucesso, a vida é mais fácil. Acredito que existe um preconceito mais forte que o racismo que é o preconceito social. Negro ou branco, se você é bem-sucedido, acaba sendo aceito. Isso mostra um preconceito social muito forte.

Acredito que o racismo nos estádios de futebol também é um reflexo da educação. Algumas pessoas, quando vão para o estádio, acham que tudo o que elas falam lá fica por lá. Essas pessoas às vezes estão com seus filhos, e ainda assim estão xingando a gente. Estão ensinando isso aos filhos. Quando você é bem-educado, não existe essa divisão entre o que acontece dentro e fora do estádio. Por falta de educação, as pessoas acham que não acontece nada, mesmo no esporte. Já vi pessoas de classe alta agirem assim.

Como disse logo depois daquela partida, trocaria todos os meus títulos pela igualdade, em todas as áreas.

Orgânicos para todos

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Calé/Editora Trip

Marcos Palmeira, 50 anos, ator e produtor de alimentos orgânicos

Primeiro precisamos entender o que chamamos de mais barato. Não estamos mensurando o gasto com remédios nem a destruição da natureza. Esse valor precisa ser revisto, mas acredito que, quando os consumidores exigirem a informação de origem do que estão comendo, esse preço tende a ficar mais justo. Ele jamais será igual ao de um alimento convencional industrializado, produzido por alguém que é explorado por quem vende.

comida orgânica será mais barata com a cobrança do consumidor pelo aumento da oferta. Ainda perdemos produtos no campo. O mais importante é entendermos o real valor do alimento. O que está embutido nesse ‘mais barato’ dos alimentos convencionais? Na produção orgânica, ganha quem produz e quem consome. Sem atravessadores.”

Andrés/Editora Trip

Pedro Paulo Diniz43 anos, ex-piloto de Fórmula 1 e produtor orgânico

Existem duas maneiras de abordar este problema: a primeira é com uma perspectiva a longo prazo. Para uma pessoa que come mal, vai custar muito mais se cuidar no futuro que economizar no presente comprando comida barata! A curto prazo, existem formas bem criativas de se alimentar bem e dou aqui alguns exemplos:

• Trocar alimentos muito industrializados por alimentos integrais e orgânicos. Eles saciam mais e trazem benefícios mesmo em menor quantidade, como arroz integral.

• Participar de algum grupo de compra direto do produtor.

• Comer mais em casa, o que acaba sendo mais barato e muito mais saudável.

Acredito que, com o aumento da demanda dos consumidores, os produtores de alimentos orgânicos vão se fortalecer e se desenvolver para ter cada vez mais tecnologia. Como consequência, poderão colher orgânicos mais acessíveis. Temos categorias que estão bem desenvolvidas no Brasil como, por exemplo, hortaliças, com preços bem próximos da produção convencional. Nossos iogurtes orgânicos (a marca é Fruto do Sol) já são mais baratos que os de algumas marcas convencionais.”

Simone Marinho/AG

Bela Gil

Bela Gil, 26 anos, nutricionista e apresentadora do programa Bela cozinha, no GNT

“Comer bem não é necessariamente mais caro, se a pessoa se dedicar a preparar os alimentos. Porque o preço barato que pagamos no fast-food se deve justamente à rapidez e ao ultraprocessamento no seu preparo. A base dos alimentos rápidos e industrializados está em produtos subsidiados, como trigo, milho, soja, leite e carne.

Para isso mudar, um incentivo do governo seria necessário. Infelizmente isso não ocorre com frequência, até porque uma sociedade saudável não traz dinheiro a nenhum setor. O ideal por enquanto é comprar diretamente do produtor, porque a maioria dos supermercados cobra de 100% a 300% sobre o valor de compra.”

Letícia Moreira/Folha Press

Neka Menna Barreto

Neka Menna Barreto, 52 anos, chef, banqueteira e nutricionista

“Caro é poluir rio, envenenar lençóis freáticos, machucar a terra, matar abelha, mudar o ritmo da flora e da fauna. Isso é muito caro. As leis no Brasil ainda aceitam muita coisa que já é proibida em outros países. Não existe uma lei que controle o sitiante que enfraquece sua terra com agrotóxicos. A comida que nasce dessa terra parece que é, mas não é. Um morango não é um morango 100% morango. Se pensarmos com amplitude, olhando toda a cadeia do alimento até chegar na nossa mesa, é muito mais caro o alimento não orgânico. O preço vai para a saúde. Aí você vai comprar um remédio, quanto custa? E um médico? Orgânicos são um pouco mais caros, mas quem os consome gasta menos com médico. Nunca foi tão fácil comprá-los. E a solução para barateá-lo é justamente aumentar a demanda e a oferta. É importante popularizar o orgânico e, claro, informar o quanto ele traz benefícios em uma escala maior que sua própria cozinha.”

Comida viva

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Andréa Velloso

Para o especialista em desintoxicação José Fernandes, o antídoto para uma dieta industrial é a relação afetiva com o alimento

O detox está na moda. Atores fazem, cantores fazem, empresários fazem, descolados fazem, caretas fazem – todo mundo quer fazer. Mas, fora dos modismos, o rehab alimentar já tem muitos adeptos e pesquisadores sérios, como o carioca José Fernandes da Silva Junior. Ele tem passagens pela Escola de Reeducação Alimentar (ERA), passou 11 anos no projeto Terrapia, unidade do núcleo de medicinas naturais da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e foi até Porto Rico colher mais informações no Instituto Ann Wigmore. Há cinco anos, Zé coloca em prática suas técnicas no spa Maria Bonita, em Nova Friburgo (RJ), e também no Rio de Janeiro. Lá ele utiliza o alimento “vivo” para emagrecimento, desintoxicação e combate de problemas de saúde como hepatite e diabetes. Como isso funciona? “Temos informações nos alimentos. Neles existem moléculas de silício que agregam informação nutricional e têm relação com o

Andréa Velloso

Bem à vontade, osé Fernandes cuida de seus brotos e germes

Bem à vontade, osé Fernandes cuida de seus brotos e germes

meio ambiente, lidas por nossos neurônios. Mas, acima de determinada temperatura, essas informações se perdem”, ele explica. Por isso, é defensor da “comida viva”, ou crua.

“Encaro a alimentação como se fosse um dependente químico. Dentro desse contexto, a pessoa tem que tomar a atitude de reconhecer se aquilo faz bem ou mal a ela, se é veneno ou vida. E, dependendo da disposição e da aceitação de um novo processo, você descobre as suas dificuldades, normalmente emocionais, vinculadas ao alimento.”

Para Zé a relação que temos com o meio ambiente é essencial para o equilíbrio e os venenos podem ser evitados com atitudes simples. “Bom ar, boa água, boa exposição à luz e um bom contexto com a terra: é isso que dá as condições básicas pra viver neste planeta. Sementes e alimentos crus completariam o quadro. O resto é o resto.” Mas nem sempre a vida dele foi assim: há 18 anos, sua dieta básica era bem menos regrada. “Eu tomava três garrafas de cachaça por dia, cheirava de 5 a 10 gramas de cocaína, fumava maconha, cigarro e tinha uma empresa de transporte.” Isso é ser junkie? “Não sei o que é junkie, não falo inglês.”

O ar das grandes cidades está deixando as pessoas doentes?

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Segundo o relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde em março deste ano, a poluição atmosférica está causando mais estragos na saúde do mundo. Sete milhões de pessoas morreram prematuramente em 2012 por doenças causadas pela poluição do ar. Reduzir essa poluição pode salvar milhões de vidas.

seguir, algumas opiniões sobre o assunto. No link abaixo, mais sobre o estudo da OMS. 

Vai lá http://goo.gl/MbdtZR

Daniel Kfouri

Questão de lógica

Tem um monte de estudo que mostra que sim. Mas me parece mais interessante considerar que o resultado do veneno que está no ar nasce de uma lógica que se reflete nos ouvidos, nos olhos, na pele, no espaço que nos circunda. É científico que o ar poluído tem aumentado o índice de doenças físicas ano após ano, mas a lógica que gera o ar poluído – e considera normal, por exemplo, passar horas diariamente preso dentro de um automóvel – certamente gera mais doenças psicológicas do que podemos imaginar e comprovar cientificamente.”

Alexandre Orion, 35 anos, artista multimídia, é autor da intervenção Ossário, em que usou um pano úmido para desenhar sobre as paredes de um túnel de São Paulo, cobertas de fuligem

Andrade

Feito Cigarro

A poluição do ar hoje representa um problema de saúde pública. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, no ano de 2012, 7 milhões de pessoas morreram prematuramente no mundo por essa causa. Dessas, 4 milhões em consequência da poluição intradomiciliar (queima de combustível de origem orgânica para aquecimento ou preparo de alimentos), enquanto 3 milhões morreram devido à exposição à poluição externa. A maioria ocorreu na Ásia, Oriente Médio, África e Américas Latina e Central. Ou seja, poluição é coisa de regiões carentes.

As mortes se devem às seguintes doenças: infecções respiratórias, infartos cerebral e do miocárdio, câncer dos pulmões e abortamentos. Os segmentos da população mais vulneráveis são crianças, idosos e indivíduos portadores de doenças crônicas como hipertensão arterial, aterosclerose, diabétes, bronquite crônica e asma.

As estimativas gerais são de que 16% dos tumores pul­monares, 20% dos infartos pulmonares e 14% das infecções respiratórias do mundo sejam causadas pela poluição do ar.

As forças responsáveis por essa situação são:

a) aumento do consumo de energia pelos países em desenvolvimento com baixa tecnologia;

b) aumento do tempo de permanência no tráfego (onde há maior poluição) devido à imobilidade no trânsito;

c) opções de obtenção de energia obsoletas e muito poluentes.

poluição do ar reproduz com menor intensidade todos os efeitos do cigarro: causa danos ao DNA (mutações e câncer), altera os mecanismos de defesa dos pulmões contra agentes infecciosos, prejudica a fisiologia dos vasos sanguíneos e altera o controle dos batimentos cardíacos. O cigarro faz isso com muito mais intensidade. Mas, por outro lado, o número de pessoas expostas à poluição é muito maior do que o de fumantes.”

Paulo Saldiva, 59 anos, médico especialista em saúde ambiental e membro do Comitê de Qualidade do Ar da Organização da Saúde (OMS)

Edu Delfim/Editora Trip

Poluições da alma

Com certeza. O ar das grandes cidades contém uma poluição constante que se realiza em gases e sentimentos. Crescem a violência e o medo, que são poluições da alma. Embora estejamos cada vez mais urbanos, fadados a viver em cidades sempre maiores e mais entomizadas (como os grandes aglomerados de insetos), ainda trazemos os costumes primatas, de viver em pequenos grupos. Isso cria uma permanente tensão, que precisa ser solucionada para que possamos nos harmonizar com o destino.”

Leão Serva, 54 anos, jornalista e escritor, coautor do guia Como viver em São Paulo sem carro

Nomes adequados e inadequados #232

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Nomes adequados

Santo Trafficante Jr.

FUNÇÃO: Antigo mafioso na Flórida

COMPROVAÇÃO: tinyurl.com/mvgkc9k

 

Luis Ferrari

FUNÇÃO: Assessor de piloto de corrida

COMPROVAÇÃO: tinyurl.com/mqk3hxa

 

Leonardo Bocabella

FUNÇÃO: Dentista-ceramista

COMPROVAÇÃO: tinyurl.com/lsny8e3

 

Nomes inadequados

Pedro Cortado

FUNÇÃO: Urologista

COMPROVAÇÃO: tinyurl.com/jw3wpc7

 

Will Chope

FUNÇÃO: Atleta de MMA

COMPROVAÇÃO: tinyurl.com/p9ok5js

 

Marcelo Petulante Fernandes

FUNÇÃO: Coordenador geral

de recursos humanos

COMPROVAÇÃO: tinyurl.com/pos2cy6

 

Topou com um nome tudo a ver com o trabalho de alguém? Ou com outro totalmente inapropriado para o que seu dono faz? Envie para os e-mails nomesinadequados@trip.com.br ou nomesadequados@trip.com.br. Os selecionados ganham uma assinatura anual da revista. Contemplados nesta edição: Beatriz Terenzi, Luciana Campos, Ronald Spegel, Matheus Arid, Andréia Porto e André Severino


Mesmo quando não estou pensando em você, eu estou pensando em você

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Jamie Brisick*

Um homem perde a mulher em um acidente brutal e desce ao inferno. Quase um ano depois, descobre na prática da meditação uma maneira de superar as ondas de depressão

Na manhã de 1o de abril de 2013, acordei com uma mensagem de texto de uma amiga no Rio me dizendo para ligar “agora”. Eu estava em Nova York. Disquei o número dela. Em meio a uma histeria, a gemidos guturais que jamais vou esquecer, ela disse que minha mulher havia morrido. Entre seus soluços, pude entender que minha esposa tinha sofrido um acidente com sua bicicleta, atropelada por um ônibus numa rua do Leblon.

Uma dor – mais do que uma dor, uma convulsão, uma agonia, com falta de ar – brotou de dentro de mim. Caí da cama e me contorci no chão. Abracei um travesseiro e, soluçando incontrolavelmente, fingi que era Gisela. Levantei, e com dificuldade fui até o hall de entrada do nosso apartamento. No canto havia um manequim que eu tinha comprado para ela no Natal anos antes. Nele havia a saia xadrez da Uniqlo e o blazer de veludo cotelê azul-claro de Gisela. Passei meus braços em volta dele, lutei derrubando-o no chão e o abracei com força, esperando que pudesse ganhar vida e tornar-se ela.

Assim começou o ano mais difícil da minha vida. Em choque.

O mundo era um lugar novo e desconhecido. Eu não queria estar aqui.

Fui a um bom terapeuta, li vários livros sobre dor, perda, depressão. Passei a tomar ervas medicinais antidepressivas, comia razoavelmente bem, fazia muito exercício, dormia o melhor que podia. Nada parecia ajudar. Eu me sentia sem esperança.

Em um ou dois meses comecei a beber. Três quartos de uma garrafa de vinho por noite, que eu bebia lentamente, geralmente ao escrever. Não era a quantidade que me preocupava, mas o círculo vicioso. Eu estava deprimido, bebia sozinho, chorava. Adquiri um novo tipo de dor de cabeça, a terrível “dor de cabeça 
de tanto chorar”. Acordava de manhã com uma ressaca de vinho e lágrimas, ansioso para que o dia terminasse e eu pudesse abrir a próxima garrafa e começar de novo.

E havia a parte sexual. Já li que no auge da dor não é incomum ter o desejo intensificado. Vivenciei isso de maneira voraz, dolorosa. Minhas noites tristes consistiam de vinho, masturbação, autopiedade. Foi assim que grande parte de 2013 transcorreu: conhecendo uma tristeza que eu jamais poderia ter concebido. Por um lado, eu queria que a dor diminuísse. Por outro, nas profundezas da minha dor, Gisela estava mais viva.

Normalmente, quando a vida se torna um desafio, combatemos com coragem, arregaçamos as mangas e trabalhamos mais. O luto é passivo. É um passeio em que você não tem controle.

Jamie Brisick*

Gisela e eu nos conhecemos em Nova York, em 2001. Ela era de São Paulo; eu, de Los Angeles. Senti algo incontrolável desde o momento em que a conheci. Para ela demorou um pouco mais. Passamos o Carnaval de 2002 juntos em Veneza, fomos a Milão e Roma, nos apaixonamos. Mudamos para Nova York, casamos em 2004. Tivemos uma vida maravilhosa, viajamos por toda parte, trabalhamos duro. Ela dirigia programas de TV e documentários; eu escrevia para revistas, livros. No centro da nossa relação havia uma enorme curiosidade e amor pelo mundo. Ensinamos um ao outro sobre lealdade e intimidade, sobre como compartilhar o espaço. “Vamos envelhecer juntos”, ela dizia.

Dez meses antes de ela morrer, tive uma crise de meia-idade. É demorado e complicado falar disso, mas o fato é que não estávamos juntos no momento da sua morte. Havia tanta coisa que tínhamos para resolver. Tanta coisa que estávamos resolvendo.

Durante a maior parte da vida eu me orgulhei de viver o momento. Viajo, surfo, pratico ioga, conheço novas pessoas. Mas a nova narrativa que foi incorporada à minha cabeça era a antítese daquilo. Fiquei preso à ideia de que eu tinha sido injustiçado, que o mundo era terrível. E eu não queria sair dessa ideia: tinha ganho o direito de ser negativo, de fazer o papel de vítima.

Em fevereiro deste ano, fui à Austrália por dois meses. Os novos ambientes me fizeram bem em todos os sentidos. Eu escrevia, surfava, ouvia uma voz na minha cabeça dizendo: “Aguente firme, tenha fé, a vida vai melhorar, Gisela gostaria de vê-lo feliz”. Comecei a me cuidar novamente.

Uma noite, contei a uma amiga tudo o que tinha acontecido. “Havia tantas questões pendentes entre Gisela e eu”, eu disse. “Agora só me resta esse monólogo com o céu.” O rosto dela se iluminou. “Você já tentou meditar?”, ela perguntou. E me contou de rompimentos infelizes pelos quais ela tinha passado, sua luta contra a depressão, e como a meditação deu-lhe novas perspectivas. Ela se tornou capaz de ficar mais desapegada, centrada, menos desarticulada no controle das emoções.

Alguns dias depois, outro amigo sugeriu meditação. Tomei como um sinal.

Em março, participei de um workshop de meditação védica por três dias. Já tinha tentado meditar antes, mas nunca achei que estivesse fazendo a coisa certa. Eu tinha conversas intermináveis na mente. O workshop ensinou que isso é bom, a questão é observar os pensamentos, aceitá-los, e em seguida, delicadamente, orientá-los com amor em uma direção tranquila. Não há o verdadeiro certo ou errado; é o olhar interior que conta. E fazê-lo todos os dias.

Para mim, a tristeza tem destacado a necessidade humana de escapar – através de sexo, drogas, esporte, TV, filmes, música. A meditação acessa algo semelhante, um lugar onde o tempo avança, onde nos esquecemos de nós. Tenho meditado todos os dias no último mês. E definitivamente tem me ajudado. Os momentos sublimes são poucos, mas, com a prática, eles acontecem com mais frequência, e duram mais.

É o suficiente para me manter.

*Jamie Brisick, 48, surfista que se tornou escritor e fotógrafo e vive em Nova York. Gisela Matta era diretora de TV e morreu em abril de 2013

Carne é veneno?

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Daniel Malenco/Folhapress

Baby do Brasil, 61 anos, cantora

“Existe muita controvérsia em relação à carne. Algo que surpreendeu nos últimos tempos foi a dieta associada a grupos sanguíneos, tão usada em clínicas naturopatas e bio-ortomoleculares. Segundo essa dieta, cada grupo sanguíneo tem a lista de alimentos nocivos, neutros e benéficos. Por exemplo, para o sangue A, a carne vermelha é um veneno; para o sangue tipo O, ela é benéfica.

Eu fui ovolactovegetariana durante 12 anos e achava que não comer carne me tornaria mais pura espiritualmente. Graças a Jesus Cristo, me libertei desse ledo engano, pois, como disse Jesus: ‘O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem’. Na parte física, ter sido vegetariana foi uma experiência enriquecedora com relação ao consumo de vegetais, frutas e leguminosas. Minha dieta alimentar se expandiu, trazendo hábitos saudáveis que hoje fazem parte da minha vida e da vida da minha família.”

André Mifano, 36 anos, cozinheiro e sócio do restaurante Vito, em São Paulo

“Carne não é veneno! Veneno é o que jogam sobre a maior parte das lavouras. Veneno é o que colocam na nossa comida, e dão o nome de conservantes. Se você não quer consumir veneno, saiba de onde vem sua comida. Conheça o seu produtor e valorize o seu produto.”

Carne não é veneno, mas a forma como ela está sendo produzida e consumida deve ser questionada. O ser humano é bioindividualizado gastronomicamente: cada organismo é um mundo. Tem gente que não está comendo carne, mas deveria se alimentar com proteínas de origem animal por questões de saúde; tem gente que está comendo carne e jamais deveria fazer isso. A gente não sabe observar essa nossa bioindividulidade gastronômica. O que se coloca para dentro é diferente para mim e para outra pessoa. Se eu como banana-nanica, passo mal. É um tipo de observação que podemos fazer para termos uma otimização total do nosso funcionamento orgânico.

Fabiana Sanches Urbai, 35 anos, criadora do Festival Disco Xepa, uma intervenção contra o desperdício de alimentos nas feiras e supermercados

"A produção da carne está organizada dentro de monopólios, em uma cultura de coronelismo e por meio de invasão territorial. Na Amazônia, a produção é de um boi/hectare. O modo de trato é outra questão. A gente come o animal, mas desconecta ele da vida. Vale para a carne de peixe também: está havendo um holocausto nos oceanos com a pesca extrativista.

A cultura gastronômica do brasileiro é carne, carne e carne. Quando a gente pesquisa em livros mais antigos, há inúmeros vegetais, mas há um superapego à carne, cujo sabor é altamente viciante. A gente não pode se deixar levar por essa cultura do churrasco. Estamos num país que é abundante nos reinos vegetal, fungi e mineral. É perigoso falar da carne como se fosse cigarro, mas está errado esse alto consumo. O consumo inconsciente, desconectado do setor produtivo ecológico. A gente pode juntar novas culturas, a partir de novas técnicas.”

Tania Menai, 43 anos, jornalista e colunista da Tpm que mora em Nova York

“Eliminei carne vermelha da minha dieta muito antes de saber o significado de vegetariano ou vegano. Uma aula de biologia foi o suficiente: meu professor comparou a digestão da carne com a dos demais alimentos. Não vou entrar em detalhes, para que continue lendo sem embrulhar o estômago. Não comi carne nem na gravidez – e minha filha nasceu saudável. Aprendi a buscar proteína e ferro em outros alimentos, como lentilha e feijão. Vi uma palestra do escritor americano Jonathan Safran Froer, autor de Comer animais (editora Rocco), livro baseado na pesquisa que ele fez para descobrir de onde vêm as carnes que ele daria a seu filho pequeno. Nenhuma empresa responsável o recebeu. Precisa dizer mais? No judaísmo, minha religião, a dieta kasher proíbe carne de porco e frutos do mar há mais de 5 mil anos. Há formas menos dolorosas de tirar a vida de animais. Em 2014, não há desculpas: todos sabemos como os animais são tratados e mortos. E como são cruelmente confinados para produzir leite, proporcionar couro, pele e lã, colocar ovos. Não há diversão em desequilibrar a natureza. Passou da época de ignorarmos nosso egoísmo, sabendo que prejudicamos mamíferos, aves e peixes – e há quem pague R$ 20 mil por ano para embelezar cães e gatos.”

Arquivo pessoal

Daniel Biron

Daniel Biron

Hector Lima, 38 anos, redator e roteirista

“Tirei o veneno da carne do meu corpo há 20 anos, após entender a crueldade que é um ser humano matar outro animal para comer. Também li textos suficientes sobre a longevidade e a qualidade de vida de culturas vegetarianas para tomar uma atitude. Há pouco, participei de um estudo do InCor comparando a saúde cardiovascular de vegetarianos e onívoros. Os primeiros resultados apontaram que a dieta vegetariana protege mais o coração. Antigamente não havia tantas alternativas à carne, mas hoje existem substitutos como soja, espirulina (uma alga com altos níveis de proteína) e até arroz integral puro – usado por vegetarianos e veganos praticantes de atividade física. Isso desafia o antiquado estereótipo de fraqueza ligado a quem não come carne. Quero ver alguém zoar o vegano Patrik Baboumian, atual ‘Homem mais forte do mundo’.”

Daniel Biron, 37 anos, chef de cozinha

“A carne é um veneno para o organismo humano: produz toxinas carcinogênicas ao ser digerida, causa aumento dos níveis de colesterol LDL e o risco de doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2. É também um veneno para o meio ambiente: consome recursos hídricos, polui, devasta ecossistemas, gera desmatamento e destruição ao criar monoculturas de soja e milho para alimentar os animais. Mas a carne é, acima de tudo, um veneno para nossa consciência: milhões de criaturas sencientes são exploradas, torturadas e mortas em nome do prazer gustativo de alguns, que ignoram esse sofrimento e veem esses animais inocentes apenas como commodities.

Perpetua-se assim uma cultura antropocêntrica e especista, que atribui valores de superioridade ou direitos diferentes aos seres.

Retirar a carne de todos os animais e seus derivados da minha dieta me proporcionou melhorias físicas e cognitivas, mas gerou principalmente bem-estar do ponto de vista ético. Um detox simultâneo da mente e do corpo. Mesmo que imperfeita, é uma busca por uma vida mais sustentável, equilibrada e com compaixão, onde se privilegia o coletivo e consideram-se os interesses de humanos e não humanos.”

O dia em que envelheci

Tesão x razão

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Jens Stoltze

Fico dividido entre o desejo de torcer pelo Brasil e o receio de esta minha excitação ser um aval para a decisão errada de fazer a Copa no Brasil. Meu desejo é ir às ruas protestar

Caro Paulo,

Vou reproduzir aqui um ditado popular com palavras muito chulas, mas que encerra tanta sabedoria de forma tão simples que espero ser perdoado por quem se sentir ofendido: “Cabeça de pau duro não pensa”. Acho que essa frase sintetiza o melhor e o pior da vida. Porque o tesão talvez seja a manifestação mais expressiva da energia da vida e porque essa energia sem o pensamento consciente que lhe dê direção e sentido é a negação da diferença que nos define como humanos. Fiz muita besteira no calor da excitação movida pelo desejo; de sexo a compra de objetos, passando por contratação de pessoas e orçamento de projetos para clientes. Mas também não acredito que ser movido apenas pela razão e pelo pensamento consciente nos leve a uma vida boa.

Qual é a ideia que está por trás dessa oposição entre a excitação do desejo e a serenidade da razão? Uma vida morna? Obrigado, não para mim. Como alguém já disse: me dê quente ou frio, morno eu vomito! Eu acredito tanto no design do ser humano que fico sempre procurando a genialidade daquilo que eu chamo de defeito na condição humana. No caso de “tesão versus razão” ainda não achei.

Enquanto isso, neste momento, fico dividido entre o desejo de torcer pelo Brasil e o receio de esta minha excitação ser aval da decisão errada de fazer a Copa no Brasil. A Copa do Mundo e a vitória do Brasil têm um significado muito grande na minha vida porque foi na alegria da celebração da de 70 que comecei a namorar a Lili, minha companheira com quem estou construindo uma longa e venturosa história. Consigo lembrar das cores, da movimentação e do som da excitação subindo e descendo a rua Augusta quando peguei na mão da Lili e demos o primeiro beijo. Para quem não sabe, naquela época, primeiro pegava na mão, depois beijava na boca. (Sim, antigamente tudo era mais lento e linear.)

JOGO DA VIDA

De lá para cá, todas as nossas Copas têm um sabor particular, temperado com memórias deliciosas e emoções muito fortes. Desta vez, minha razão está tirando meu tesão. Meu desejo é ir para a rua, mas não para festejar e beijar e, sim, para discordar do jeito Lula de lidar com o Brasil. Preciso reagir ao deboche com que o pai do Lulinha trata o povo brasileiro, acreditando que o futebol vá driblar a realidade do país e a consciência do povo. Talvez o feitiço vire contra o feiticeiro, juntando o justo com o agradável. Como lembra meu filho Pedro, a vitória do Brasil na Copa das Confederações no ano passado uniu o povo para sair às ruas e defender seus interesses. Tomara.

Aí está uma boa pista para descobrir a genialidade do design da oscilação: a oscilação existe para nos obrigar a fazer a gestão consciente da tensão – não tesão! – entre a razão e o tesão! Como se fosse um jogo, o jogo da vida.

E você, meu amigo, como está vivendo essa Copa?

Meu abraço,

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 65, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é @ricardo_thymus

Sob ameaça

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Jens Stoltze

Como tudo que é bom dura pouco, as conquistas do Marco Civil já estão ameaçadas. A Câmara aprovou um projeto de lei para incluir o crime de “denunciação caluniosa com fins eleitorais”, que barra o debate político

Finda a mistura de êxtase e frustração gerada pela Copa, o país entrará direto no período eleitoral. Essa promete ser não apenas uma eleição disputadíssima, como também um momento em que o país terá de tomar decisões sobre o que fazer neste cenário de incertezas e desafios. Ao menos em uma área o Brasil deu passos na direção certa: a internet. A aprovação do Marco Civil deu um alívio ao menos temporário para uma questão central para o país, sobretudo para o período eleitoral: a liberdade de expressão (vale informar o leitor que estive envolvido com o projeto do Marco Civil desde a sua concepção).

O acerto do Marco Civil é visível especialmente quando comparado às leis que outros países estão adotando. A Rússia, por exemplo, adotou no mês passado a chamada Lei dos Blogueiros, que exige que qualquer dono de blog com mais de 3 mil visitas diárias cadastre-se no governo. De ativistas a sites de humor, passando por blogueiras de moda, todos precisam agora de registro para exercer suas atividades. O objetivo é equiparar as mídias sociais às mídias tradicionais. Todas as restrições impostas ao rádio e à TV passam a ser aplicadas também aos blogs. Por exemplo, fica proibido o uso de palavrões. E conteúdos considerados “ofensivos”, a critério do governo, podem ser removidos imediatamente. A consequência é que até o campeão de xadrez Garry Kasparov, hoje opositor do governo Putin, já foi censurado com base na nova lei.

Felizmente, no Brasil, o Marco Civil determina que cabe ao Judiciário – com sua estrutura de poder independente – decidir sobre a remoção de conteúdos, e não ao Executivo. Mas mesmo o Judiciário brasileiro vinha tomando decisões problemáticas, derivadas da total falta de regras para a internet antes do Marco Civil. A ministra Nancy Andrighi, pioneira e desbravadora da discussão sobre a internet nos nossos tribunais, clamava já em 2012 para que o Congresso adotasse regras para a rede que pudessem orientar os juízes em suas decisões.

O apelo faz sentido. Pouco tempo antes da adoção do Marco Civil, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou ao menos uma decisão fora da curva com relação à liberdade de expressão na internet. Em março deste ano, decidiu que as redes sociais tinham a obrigação de retirar do ar qualquer conteúdo “ofensivo” sem a necessidade de indicar sequer a página em que o conteúdo havia sido postado. Bastaria dizer que o conteúdo estava no ar e o próprio site teria de caçá-lo e removê-lo.

CALÚNIA ELEITORAL

Mas felizmente o Marco Civil trouxe regras diferentes para o caso, tornando esse tipo de decisão coisa do passado. A nova lei seguiu o padrão da maioria dos países democráticos (incluindo EUA e países da Europa) e, para a remoção de conteúdos “ofensivos”, passa a ser necessário no mínimo informar o endereço virtual onde se encontram, prevenindo assim a transformação dos provedores de serviço em “polícia” da rede.

Mas, como tudo que é bom dura pouco, as conquistas do Marco Civil já estão novamente sob ameaça. A Câmara aprovou em maio último um projeto de lei que modifica o Código Eleitoral para incluir o crime de denunciação caluniosa com fins eleitorais, com pena de oito anos de prisão. É claro que calúnia é crime e deve ser punida. Mas pena para a calúnia do tipo comum é limitada em dois anos de detenção. Estelionato gera pena de cinco anos. Já o novo crime, criado para proteger políticos, é punido com oito anos. Isso vai gerar um imenso desestímulo ao debate eleitoral nas redes sociais. E mostra que o sistema de valores e sobretudo o apreço pela liberdade de expressão andam desequilibrados em nosso país.

*Ronaldo Lemos, 37, é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu Twitter é @lemos_ronaldo


Menos Copa, mais escola

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Jens Stoltze

E se, em vez de construir novos estádios, levantássemos grandes centros culturais nas capitais ou pulverizássemos bibliotecas pelas cidades pequenas do país, não seria mais produtivo? É óbvio que sim

A maioria das pessoas parece não ter consciência de que está com outras no mundo. Andam pelas ruas tal qual estivessem sozinhas na vida. É só chover para que as mulheres abram seus guarda-chuvas e sigam como se não houvesse mais ninguém ao lado delas. As varetas dos guarda-chuvas são armas e é melhor desviar para não ser ferido. No trânsito é parecido. Parte considerável dos motoristas sente como se os carros à frente e ao lado não devessem ali estar e as ruas fossem deles. Pensam que o mundo foi feito para eles; se acham o centro do universo, como uma criança. Ao pegar o ônibus para casa, quase sempre tenho que suportar brigas. Geralmente o motivo é gente querendo furar a fila. Os assentos reservados aos deficientes, velhos e mulheres grávidas estão sempre com jovens. Fingem estar dormindo para não se levantarem. No metrô, então, é uma loucura. Caso não se esteja atento, corre-se o risco de embarcar sem querer. Somos levados para dentro dos trens pela massa que empurra para entrar. O comportamento humano com os animais é de uma estupidez de fazer dó. Pegam para criar, depois jogam nas ruas. Batem, ferem e até matam os animais somente para se divertirem. A nossa irresponsabilidade para com os animais é desumana. É muita brutalidade e covardia. Isso pegando leve, para não falar dos linchamentos, das matanças e dos latrocínios que parecem tomar conta do país.

Isso tem me incomodado. Nos dez anos aqui fora, já me cansei de tanta deseducação. É profundamente deselegante. Pouco saio de casa e esse é um dos motivos. Eu, que saí da prisão depois de mais de 30 anos preso, é que deveria ser assim. Afinal, não fui educado e convivi em meio à brutalidade. Mas absolutamente não procedo desse modo. Estou sempre evitando atrapalhar, exijo de mim um respeito muito grande pelas pessoas. Não desfaço de ninguém e não sou portador de preconceitos (a prisão acabou com os que eu pudesse ter). Não sei dirigir nem quero aprender. É muito desrespeito no trânsito e isso o torna perigoso para mim. Não para mim exatamente, mas para quem pudesse estar no carro comigo. Fico me perguntando por que tenho esses cuidados que os outros não têm. A resposta é que gosto de estar em paz e me dar bem com as pessoas. Gosto de gostar delas e detesto brigar com elas.

RANKING INTERNACIONAL

Qual é a solução? Educação. Educar nossas crianças para que tenham consciência de si e dos outros desde cedo. Em pesquisa recente feita pela The Economist Intelligence Unit e pela Pearson International em 40 países acerca de aprendizado, ficamos entre os piores colocados, em 38º lugar. Precisamos investir de verdade, mesmo que para isso tenhamos que sacrificar outras coisas. Por exemplo: até que ponto a realização da Copa do Mundo é boa para o país e para nós, brasileiros? Claro, compromisso assumido é compromisso a ser cumprido; isso tinha que ser pensado e discutido antes. A Suécia, que é um país de primeiro mundo, se recusou a sediar a Copa. A nossa decisão pode ter sido precipitada e leviana. O gasto para fazer cinco estádios-arenas é incompatível com o ganho para o país. Já morreram nove operários na construção dos megaestádios. A Fifa não poderia ter isenção fiscal. É muito capital em jogo, são milhões de dólares que um país com tantas deficiências não poderia renunciar.

E se, em vez de construir estádios, levantássemos grandes centros culturais nas capitais ou pulverizássemos bibliotecas pelas cidades pequenas, não seria muito mais produtivo? É óbvio. Certa prefeitura suspendeu a realização do Carnaval deste ano para usar a verba em necessidades urgentes da cidade. O que tenho a dizer é evidente: quando as pessoas compreenderem que a escola, o hospital, o conservatório musical, o centro cultural e a biblioteca são mais importantes do que estádios de futebol, então talvez tenhamos chance de melhorar o nosso índice de aprendizado nos medidores internacionais. E, quem sabe, fazer o improvável: construir um comportamento mais educado e inteligente em nossa população.

*Luiz Alberto Mendes, 60, é autor de Memórias de um sobreviventeSeu e-mail é lmendesjunior@gmail.com


Do luto à luta

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Jens Stoltze

O extermínio de jovens negros é a maior vergonha nacional. Nos acostumamos aos Douglas, Amarildos e Claudias, e a maioria parece achar menos chocantes essas mortes do que a de um branco, rico

Durante a gravação do programa Esquenta! especial sobre a morte do dançarino DG, Fernando Luna, diretor editorial da Trip, explicando as motivações que resultaram na publicação das importantes matérias de capa das revistas Trip e Tpm sobre racismo, disse que não era preciso esperar uma tragédia específica para gerar essa discussão fundamental, pois no Brasil sempre acontecem episódios lamentáveis e o assunto é tão presente que a qualquer momento encontra tristes fatos concretos recentes relacionados. Foi o que aconteceu com as revistas que estampavam “Ser negro no Brasil é foda” e “Ser negra no Brasil é (muito) foda” em suas capas. Motivadas pelos casos de racismo no futebol e pela prisão injusta de um ator negro, viraram referência nacional uma semana depois com a repercussão da morte de DG.

Mas tão frequente quanto os casos de assassinato e impunidade é o esquecimento. Parece que a realidade é tão dura que a sociedade afrouxa e esquece para não ter que pensar no assunto. Na verdade, todos nós nos resignamos. Mas não dá para ser assim, pois o lamento pela perda de vidas deveria servir para colocarmos as mãos em nossas consciências e assumirmos uma verdade que precisa ser encarada: o extermínio de jovens negros é a maior vergonha nacional.

É a maior vergonha, pois há cerca de 20 anos convivemos com esses números que parecem nos anestesiar mais do que revoltar. É a maior vergonha pois as dificuldades políticas de medidas eficazes para revertermos esse quadro empurram, eleição após eleição, a sujeira para debaixo do tapete. É a maior vergonha porque nos acostumamos aos Douglas, Amarildos, Claudias, e a maioria parece achar menos chocantes essas mortes do que a de alguém que seja branco e more em bairro nobre de qualquer cidade brasileira. É a maior vergonha pois revela o que vem sendo chamado de epidemia da indiferença, que torna tudo isso invisível, a não ser em momentos dramáticos.

Sem resignação

Estamos matando tesouros de nosso país: a juventude e a criatividade. As trágicas mortes não apenas interrompem trajetórias, mas se tornam símbolos do desperdício de forças transformadoras. Precisamos ir além e agir com rigor e empenho para reverter esse quadro desolador. Talvez tudo tenha que começar por um amplo debate, que reúna todos os atores sociais envolvidos e estabeleça metas para que esse extermínio seja interrompido. As mudanças necessárias no nosso sistema de segurança pública devem romper com a lógica polarizada que contaminou os debates políticos no Brasil, para buscar consensos entre os homens e as mulheres de bem que acreditam que a vida é sagrada e não pode ser perdida de maneira tão banal.

Que as autoridades esclareçam essas mortes e nos mostrem a verdade, seja ela qual for. Que nosso luto se transforme em luta para fazermos o que tem que ser feito. E que não nos esqueçamos dessas tragédias jamais, pois a resignação que nos cega também nos mata um pouco a cada dia.

*Alê Youssef, 38, é apresentador do programa Navegador, da Globonews, comentarista do programa Esquenta!, da TV Globo, advogado e produtor. Seu e-mail é alexandreyoussef@gmail.com


Sem corneta

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Jens Stoltze

Desde as últimas edições da Copa do Mundo, já não me animo como antes. Mudei eu? Mudou o futebol? Mudou o mundo? Um pouco de cada coisa

Você está eufórico com a Copa do Mundo? Eu não. A primeira Copa de que me lembro foi a de 1970. Apesar de pequeno e de entender muito pouco de futebol, a aura daquele time contaminou todo mundo, eu incluído. Ganhei uma camisa com o número 7, a de Jairzinho, e, embora já naquele tempo eu demonstrasse toda a falta de talento para o futebol que me acompanharia para sempre, eu me sentia, batendo bola sozinho, contra o muro de casa, um craque. Me lembro do fácil jogo contra o Peru (4 x 2), do sofrido jogo contra a Inglaterra (1 x 0) e, principalmente, da final contra a Itália. Continuei acompanhando as Copas seguintes, algumas mais empolgantes, outras menos. Mas, desde as últimas edições, já não me animo como antes.

Mudei eu? Mudou o futebol? Mudou o mundo? Um pouco de cada coisa. Me parece que a parte comercial no futebol cresceu de maneira absurda, com valores pornográficos envolvidos em contratos, salários e patrocínios. Um jogador em 1970 ganhava muito pouco, o que era evidentemente errado. Mas faz sentido, hoje, uma celebridade do futebol receber salário equivalente ao de centenas, talvez milhares, de professores? O marketing, que até certo ponto ajudou o esporte (e não só o futebol) a se desenvolver e se profissionalizar, passou a ser o fim, e não o meio. Nem tudo, porém, é culpa do futebol: eu também fiquei mais velho e interessado em outras coisas; mas o fato é que a soma dos fatores faz com que uma Copa do Mundo, hoje, já não me empolgue como antes. E, para piorar, há a questão de fazermos a Copa no Brasil.

Fui contra a Copa no Brasil (e a Olimpíada no Rio) desde o começo. Detestei aquela onda de ufanismo de um determinado momento do governo Lula. Aquela história de o Brasil estar chique, de emprestar dinheiro para o FMI, de mostrar para o tio Sam a nossa batucada. Envaidecido com os elogios que vinham de fora, o governo, que, é verdade, fazia um bom trabalho na distribuição de renda e na redução da miséria, deixava muito a desejar na agenda das reformas política e tributária e nos investimentos em infraestrutura, que saíam lindos nos discursos e nos slides. Aquilo tudo me lembrava uma antiga frase de Delfim Netto: “Se me deixarem fazer um gráfico, eu provo o que vocês quiserem”. Era o que o governo fazia com os investimentos em infraestrutura: “Se me deixarem criar uma apresentação em Powerpoint, eu construo o que vocês quiserem”. Não estou falando novidade nenhuma quando lembro que são infinitas as nossas carências estruturais (educação, saúde, segurança, meio ambiente etc.) e infraestruturais (estradas, portos, aeroportos, saneamento, água, energia elétrica etc.).

PIPOCA E CERVEJA

Nem mesmo naquilo que a Copa exigia como investimentos urgentes ela trouxe benefícios significativos (no transporte urbano, por exemplo). E a simples verdade é que não precisávamos da Copa. Faz sentido, por exemplo, erguer um estádio para 68 mil pessoas em Brasília, cidade que não tem um único time importante? E depois, nos últimos anos e meses, foi a experiência deprimente de ficar assistindo aos atrasos de cronograma, às broncas da Fifa e (algo muito previsível) às contas das obras irem extrapolando os orçamentos, com o Estado colocando dinheiro em canteiros que seriam, pelo que foi combinado, inteiramente bancados pela iniciativa privada. As denúncias de superfaturamento em obras da Copa, você pode apostar, nos acompanharão por anos.

Mas, ainda que aos trancos e barrancos, a Copa está aí. E não concordo com a ideia de ir para as ruas, agora, protestar contra ela. Essa hora passou. Por que as pessoas não protestaram lá atrás, quando o Brasil se candidatou? Naqueles dias de “com o brasileiro, não há quem possa”? Agora, me desculpem, ficou tarde. Agora é hora de assistir e torcer. É o que eu vou fazer. Estourando pipoca e tomando cerveja, porque ninguém é de ferro. Mas sem chegar ao ponto de soltar rojão e tocar corneta.

*André Caramuru Aubert, 50, é historiador, editor e autor do romance A vida nas montanhas. Seu e-mail é andre.aubert@hotmail.com

Carta aos manifestantes

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Jens Stoltze

O Brasil seria capaz de organizar uma Copa menos manchada pela corrupção e pela incompetência? Choramos ao ouvir nosso Hino Nacional porque, no fundo, sabemos que não é hora de reconhecer isso

Querido manifestante que pensa em sair às ruas durante a Copa do Mundo,

Antes de mais nada, quero dizer que você tem toda a razão e todo o direito de manifestar sua raiva e indignação contra as mazelas do governo, contra a corrupção e a incompetência – ambas generalizadas – dos nossos políticos, da Fifa, da Nike, da CBF e de tantas outras nojentas instituições e corporações que controlam a indústria do futebol. Entendo também que você considere a Copa do Mundo a praça pública ideal para lavar infinitas roupas sujas, estragando a festa dos corruptos ao expor para o mundo nosso descalabro moral, ambiental, político e cultural. Como podemos celebrar, esbanjar tanto em futebol, enquanto nossos hospitais, escolas e transporte público estão caindo aos pedaços?

Uma pequena digressão, caro manifestante: recentemente entrevistei o antropólogo Roberto DaMatta, um pensador de 74 anos que tem como missão de vida entender a nós, brasileiros. Ao conversar sobre a Copa do Mundo, eu disse ao professor DaMatta que, desde criança, sinto uma emoção profunda cada vez que vejo os jogadores da seleção brasileira cantando o hino nacional. Me esforcei para confessar para o intelectual que muitas vezes essa emoção inexplicável e piegas – que vem do meu mais profundo âmago – me faz chorar.

O sábio professor olhou para mim com doçura e disse que eu não precisava me envergonhar, pois ele também sentia essa mesma comoção. “Nos emocionamos porque achamos que, como povo e país, não valemos nada”, ele disse. E continuou: “No fundo, nos vemos como um país atrasado e insignificante. Nossa autoestima é muito baixa. Não gostamos de nós mesmos. Mas eis que, no futebol, encontramos uma possibilidade única de redenção. Nesse quesito, nossa grandeza é reconhecida. O mundo se ajoelha diante de nós. Não somos uma escória e, redimidos, choramos”.

PERDÃO E REZA

As palavras do professor são muito verdadeiras, não é mesmo, caro manifestante? Por isso, pergunto: você acha mesmo que nossas escolas e hospitais seriam muito melhores se não tivéssemos uma Copa do Mundo em casa? Você tem certeza de que o Brasil seria capaz de organizar uma Copa menos manchada pela corrupção e pela incompetência? Choramos, eu e milhões de brasileiros, ao ouvir nosso hino porque, no fundo, sabemos que não. A torcida só canta “Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor” porque no fundo ela odeia o Brasil e a si mesma. É hora de nos reconhecermos e nos perdoarmos.

Peço então que você, querido irmão manifestante, antes de se manifestar contra a Copa, considere a fundamental importância mitológica do nosso time com a bola no campo. Lembre-se de que em toda a história fomos infinitamente mais bem representados pelos nossos jogadores do que por nossos políticos. Isso já era verdade durante os anos sombrios da ditadura militar.

Vamos juntos rezar pelos nossos heróis. Que eles nos honrem em campo. Que, mais do que jogadores, eles saibam ser também anjos. E que com sua mágica redentora eles nos salvem dessa tristeza e dessa raiva que, caso contrário, nos levarão para um abismo.

*HENRIQUE GOLDMAN, 51, cineasta paulistano radicado em Londres, é diretor do filme Jean Charles.

Aqui é Brasil!

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Antônio Lima/A Crítica/Folhapress

Seja para conseguir ver um jogo  da Copa, para ter assistência médica ou condução para o trabalho, o cidadão brasileiro precisa cada vez mais dominar as técnicas de guerra. Na foto: soldados brasileiros em missão no Haiti em 2010

Seja para conseguir ver um jogo da Copa, para ter assistência médica ou condução para o trabalho, o cidadão brasileiro precisa cada vez mais dominar as técnicas de guerra. Na foto: soldados brasileiros em missão no Haiti em 2010

Quem nos acompanha mais de perto certamente registrou que, nos temas principais e nas ideias que abordamos mês a mês por aqui nos últimos tempos, o foco tem sido, digamos, em questões que encerram certa tensão. Desde o início do ano passado, quando anunciamos a força de um novo tipo de ativismo que ganhava força e desenhava a migração do poder político para outras esferas da população, até as edições mais recentes, em que tratamos de alguns outros ângulos dos problemas mais pesados que nos assolam. Da sensação generalizada de frustração diante da inoperância e da desonestidade que em medidas semelhantes parecem entranhadas em nossa carne gerando novamente em boa parte da sociedade a sensação de que não há o que fazer e que a saída é sair, até as que trataram de tirar a capa que cobre o vergonhoso racismo vigente no país ou o nível inaceitável de envenenamentos dos mais diferentes tipos a que somos expostos hoje do lado de cá das fronteiras.

Se na presente edição a intenção era tratar do prazer de estar vivo, a realidade cuidou de angular a pauta novamente para uma visão mais crua daquilo que esses tempos nos apresentam.

Viver no Brasil tem se transformado cada vez mais numa opção heroica. Conhecimentos básicos de técnicas de guerrilha urbana e de sobrevivência em zonas de guerra são cada vez mais úteis para que se consiga manter um certo grau de qualidade e de satisfação com o dia a dia.

E não estamos aqui falando de ativistas e Black Blocs, mas de gente que precisa acordar antes do sol para enfrentar condução e mobilidade precaríssimas, sistema de saúde completamente em ruínas, educação precária, sistemas jurídico e tributário sucateados e uma infinita capacidade de manipular e de roubar impunemente que marca presença em quase todas as instâncias, partidos e escaninhos públicos (e boa parte dos privados).

Qualquer um que conheça a cartilha básica da noção de interdependência consegue depreender algo que, mesmo óbvio, passa longe dos radares de boa parte de nossas lideranças empresariais, políticas, financeiras, religiosas etc. Se não estiver ao menos razoável para todos, não ficará bom pra ninguém.

Assim, até mesmo os mais endinheirados, até pouco tempo desfrutando da ilusão de estarem blindados contra as mazelas do país, se queixam a cada dia mais de que não vale a pena e de que a dificuldade de manter o tônus vital e o tesão pela vida aumenta em índices inversamente proporcionais ao crescimento da economia e em linha com o aumento da desigualdade, dos crimes e da corrupção cafajeste e impune.

A Trip de junho de 2014 quer ajudar na busca pelo tesão perdido. Ouvindo gente automotivada que parece ter o condão de gerar a própria alegria a partir de uma visão mais criativa, inteligente, poética e humorada do entorno, como é evidentemente o caso de pelo menos dois das dezenas de convidados desta edição, Autumn Sonnichsen e Xico Sá, tentamos dar mais uma vez nossa contribuição para que você se motive e coloque sua energia a favor de subir a régua desta terra cada vez mais judiada.

Paulo Lima, editor

P.S. Por falar em subir a régua, queremos agradecer pela excelente audiência nas primeiras edições do nosso programa de televisão, o Trip TV. Com nossos parceiros da TV Bandeirantes, vamos nos esforçar para solidificar mais esse espaço que, como tudo que fazemos, tenta genuinamente contribuir para uma reflexão de qualidade na cena nacional.

Dia de jogo

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Brasil x México

Nesta terça-feira, dia 17, a seleção brasileira enfrenta a seleção mexicana lá em Fortaleza, no estádio do Castelão. Algumas pessoas vão tentar tirar suas selfies diretamente estádio, outras no bar com os amigos e outras nem prentendem assistir o jogo.

Mas a Trip quer saber: onde você vai estar durante jogo do Brasil?

Vamos lançar dois desafios amanhã através do aplicativo Pinion: um antes do jogo, às 14h, e outra durante o jogo. 

Já conhece o app? Através dele, você opina sobre produtos e serviços, avalia atendimento de lojas e restaurantes e responde diversas perguntas. A cada 'missão' que você responde, acumula pontos que podem ser trocados por dinheiro na sua conta :) O aplicativo está disponível para Android e iPhone e pode ser baixado aqui: http://www.pinion.com.br/usuario.html

Se preferir participar através do Instagram, é só tirar a foto na hora do jogo, usando a hashtag #TripNaCopa. Queremos ver: a decoração da sua casa, a roupa que você escolheu pra torcer pela Seleção, você e seus amigos... E mesmo pra quem não for assistir o jogo: o que você vai fazer enquanto todo mundo está de olho no lance?

Contamos com vocês :)

É tudo verdade

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Poucas vidas parecem tão excitantes quanto a da fotógrafa americana Autumn Sonnichsen, que passa seus dias entre diferentes cidades do mundo clicando, entre outras coisas, mulheres apaixonantes. À sua maneira, absolutamente única, Autumn transforma coisas simples e situações prosaicas em pequenos deleites altamente excitantes. Segue o cardápio da semana...

São Paulo. Sábado. 12:43. Vou contar uma anedota relacionada a esta imagem (à dir., acima). Faz dois meses, estava na minha bike a caminho da Trip para fazer uma reunião com a produção da revista, o KL Jay e a filha dele, Kamila. E daí, fui atropelada por um ônibus. Tive sorte porque o meu amigo Luiz, médico e super-herói, chegou a pé mais rápido do que a ambulância e me resgatou. Dois dias depois, eu estava com o braço engessado com a Kamila nua na minha frente. Tudo isso para contar que agora eu sou obrigada a fazer fisioterapia. E essa moça de olhar doce é a doutora que está consertando meu braço. Aqui ela está no heliponto do prédio do consultório dela. Ela tem dedos mágicos, conhece o corpo humano por dentro e por fora.

18:46. Esta é a Erica, videomaker e a minha musa mais eterna de todas. A primeira e de sempre. André também, o sujeito feliz com os queijos ao lado dela, marido da musa. Ele foi o meu primeiro amigo no Brasil, quando cheguei aqui, mais de oito anos atrás. É o meu parceiro de rolê nos bailes funk, nos terreiros de candomblé e nos morros do Rio de Janeiro. Nós três, junto com a Bianca, que estava fazendo mudança, formamos o grupo mais foda de todos: o Lucky Bastards Inc. Temos todos uma tatuagem da firma no antebraço, na veia (menos a Bianca, que nunca pode ser igual a todos e mandou colocar a dela no peito, no coração).

Voltei para São Paulo há dois dias, com a mala cheia de queijos fortes, linguiças de fígado, geleias de framboesa e chocolates apimentados. Tem mulheres que compram sapatos, eu compro apetrechos para piquenique. Comprei tudo às pressas, antes de sair pro aeroporto, na loja que vende essas paradas todas embaixo da minha casa em Berlim. Outros detalhes da foto que me deixam absurdamente feliz: o design puro do copo americano, os talheres que minha mãe me deu de presente, a manta que comprei no Cairo dez anos atrás, o céu com nuvens que não chovem, a laje do meu predinho em São Paulo, o sorriso da Erica quando toma espumante, morangos marinados em Grand Marnier, e as luzes da minha cidade escolhida.

20:45. A gente chamou o Gonzo e a nova namorada dele, Marie, para comer na laje, mas, como sempre, eles estavam fazendo sacanagem e chegaram duas horas atrasados. Apesar do frio, a Marie chegou de vestidinho com a tatuagem nova à mostra, essa da moça amarrada, ainda no Magipak. Não tem coisa melhor do que uma moça feliz com a tinta nova no corpo.

Domingo. 13:00. A alegria dos meus domingos paulistanos: correr no Minhocão. Mar de prédios, mar de amor.

14:25. Da janela do táxi, vejo as cores em São Paulo que mais amo. O taxista para no farol, eu tiro uma foto e seguimos.

21:47. Luiza e Talitinha. Fui madrinha de casamento dessas duas, uma honra da qual eu me orgulho muito. Talita é a magnata de bicicletas da zona leste paulistana e Luiza é a dona dos peitos mais bonitos da cidade. Foram me fazer uma visita lá em casa, se deitaram na minha cama e acabaram com o restante de queijos da minha geladeira.

Segunda-feira. 16:15. Senhor Hirama. Um homem doente pelo São Paulo Futebol Clube, diretor de arte das coisas mais finas, e dono do coração de uma moça linda que já se fantasiou de faxineira francesa no ensaio da Nathalia Rodrigues que o Bob Wolfenson fotografou tão lindamente para a Playboy. Apesar de eu gostar muito da companhia dele, ele sempre me leva pra tomar café nuns lugares muito coxinhas.

Terça-feira de fantasia. Na real, passei o dia no avião. A Mari, esta linda, era pra chegar na minha casa antes de eu ir embora pra tomar um chá comigo, me contar as novidades e fazer ioga. Mas, para a minha infelicidade, ela ficou doente após dar um workshop de pole dance o fim de semana inteiro, e ficou na cama debaixo das cobertas mandando selfies para mim. Ela não vai gostar se eu exibir as fotos de celular que ela mandou, então mostro o último retrato dela que eu fiz no mês passado, assim vocês entendem o quanto ela é foda, e o quanto eu me empolgo com a presença dela na minha vida.

Casablanca. Quarta-feira. 20:00. Depois de 10 horas de voo, na fila entediante do controle de segurança, vejo uma moça atrás de mim com uma cintura finíssima, ombros fortes, e cabelos até o bumbum. A mala dela quebra, e eu tenho Silver Tape na minha mala de equipamentos e com isso eu salvo o dia dela. Descubro que a moça se chama Cris, é espanhola, não visita a família há três anos, faz massagem ayurvédica e dá aula de ioga. A irmã dela mora em Casablanca, e elas me dão uma carona até a cidade. No banco de trás está uma amiga delas com uma boca carnuda, uma artista plástica madrilenha que me mostra no celular os trabalhos lindos dela feitos em aquarela.

21:35. Meu amigo Munir, um cineasta que, por sorte, está na cidade ao mesmo tempo que eu para filmar um comercial de um chocolate marroquino, me leva para jantar e diz que estou proibida de fotografar naquele restaurante, frequentado por homens de negócios e suas amantes. Alguém iria brigar comigo se eu saísse tirando fotos por ali. É um dos lugares que mais me espantaram na vida. As mulheres todas novinhas com maquiagem pesada nos olhos de amêndoas, todas com salto alto e andando torto, dançando música pop do Egito com movimentos sinistros. Os homens todos enormes e barrigudos, fumando um cigarro atrás do outro, tomando vinho branco e falando alto. Parece uma cena de filme. Tiro uma foto do Munir, que está no seu 18º telefonema da noite. Todas as pessoas que eu conheço falam mal de Casablanca, mas falam mal do mesmo jeito que falam mal de São Paulo, e eu amo São Paulo mais do que tudo, então me sinto bem na cidade. Tudo parece cenário de filme, com um ar decadente, meio art déco.

Quinta-feira. 2:10. Pegamos um daqueles táxis vermelhos que parecem caixas de fósforos de volta para o apartamento. Eu e Albrecht, diretor de fotografia, ficamos no banco de trás, filmando o que passa pelo filtro do para-brisa sujo, amando a luz nebulosa. O delírio da terceira gin tônica. As palmeiras, as luzes de madrugada.

8:00. Acordo cedo, quero dar um rolê. Acho uma feira de comidas perto do apartamento. Tem cheiro de algo podre misturado com hortelã. Há montanhas de folhas de hortelã frescas no chão, espalhadas nas mesas, enchendo as cestas. Compro 1 quilo de cerejas, uns pães que parecem feitos de fubá, e um doce que não sei o nome. Tomo um chá em pé, servido por uma moça com sorriso tímido.

13:00. Encontro a Cris por acaso no aeroporto de novo. Nossos voos saíam quase no mesmo horário, o meu para Paris e o dela para Madri. Antes de embarcar, ela toma uma taça de vinho rosé marroquino comigo e fica parada para eu fotografá-la.

Paris. Quinta-feira. 19:25. Aquelas coisas que deixam o mundo todo num high eterno na capital francesa: os tetos de Paris, o piquenique às margens do rio Sena, os escargots com champanhe, o táxi com teto solar num dia de céu azul, o suco de grapefruit no Café de Flore e as promessas de amor em forma de cadeados que enfeitam a Pont de l’Archevêché.

Sexta-Feira. 15:30. Tenho como filosofia que tudo na vida dá pra fazer melhor se for com a desculpa de tirar fotos. Tenho também outra filosofia, de que tudo neste mundo é melhor se for feito de barco. Então surge o ensaio com a Kim, uma modelo inglesa-brasileira que gosto muito, com o barco de madeira veneziana, a garrafa de Chandon, as mexericas minúsculas e o dia ensolarado.

Berlim. Sábado. 8:35. Volto para Berlim, a minha segunda casa. A novidade que me deixa mais feliz nos últimos tempos: meu irmão está morando comigo! Ver ele dormindo no sofá com o Iggy, o cachorro de uma amiga que está viajando de férias, me dá uma empolgação absurda. Minha família está comigo no mundo!


“O que me impressiona é o fato de que em nossa sociedade a arte tenha se tornado algo relacionado apenas a objetos e não a indivíduos ou à vida. Que a arte seja algo especializado, feita pelos especialistas, que são os artistas. Mas a vida de todos não poderia se tornar uma obra de arte? Por que um abajur ou uma casa pode ser arte, mas a nossa vida não?” Michel Foucault

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