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Foto de uma das moradoras de Tamera
Há 36 anos, o psicanalista Dieter Duhm e a teóloga Sabine Lichtenfels vivem juntos, mas livres para transar com outros parceiros. Em 1978, o casal alemão fundou a comunidade Tamera, hoje sediada no Alentejo, em Portugal, onde vivem 160 pessoas adeptas do sexo livre. Os dois falaram da experiência à Trip
DIETER
Como a ideia de sexualidade livre é posta em prática em Tamera?
Dieter. Todas as pessoas na nossa comunidade, incluindo os casais estabelecidos, praticam o sexo livre. Eu pratiquei por toda a minha vida. Cedo reconheci que se não o fizesse teria de mentir, pois me sinto atraído por várias mulheres. Sempre disse isso às minhas parceiras. A maioria das pessoas está grata pela possibilidade de novos contatos sexuais. Mesmo os casados têm a possibilidade de ir para a cama com novos parceiros e falar disso sob a proteção do grupo. Este é um princípio fundamental: tornar transparentes as coisas mais importantes – sexo, dinheiro, autoridade etc.
Que dificuldades os novatos enfrentam? A maioria das pessoas deseja uma verdadeira parceria e acredita
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O casal Sabine e Dieter em 1983 (ela à dir. da foto)
que ela estaria associada à monogamia, e que a monogamia seria sinal de fidelidade. Não é verdade. Apenas podemos ser fiéis se nos for permitido amar outros também. Amor genuíno não se desintegra por causa de “escapadelas”, que fazem parte da natureza humana. Sexualidade livre e parceria complementam-se. Quanto mais cresce a confiança entre seres humanos, menos espaço há para o ciúme e o medo da separação.
Homens e mulheres reagem de forma diferente ao sexo livre? Geralmente os homens se sentem atraídos a dar o primeiro passo, mas temem que isso seja desafiante para suas parceiras. Mas depois também as mulheres ousam esse passo – e com tanta alegria que se torna desafiante para os parceiros. Não é a mulher, mas o homem que tende a ficar ciumento quando as velhas barreiras desmoronam. Não se trata de poligamia arbitrária, mas de um acordo mútuo sobre a base da confiança.
Como foi sua experiência pessoal? Ao longo de 36 anos, vivi e trabalhei com minha parceira Sabine Lichtenfels. Por duas vezes, ela amou outros homens. Não senti ciúme, porque também gostava desses dois homens. Sabine é uma mulher lindíssima e atraente. Seria insano ela “pertencer” a mim. Mas somos completamente fiéis um ao outro, e ficaremos juntos agora e para todo o sempre. Não é a exclusão sexual de outros que nos conduz a uma parceria duradoura, mas a verdade, a confiança, a compaixão e a solidariedade.
Uma proposta dessas pode dar certo numa cidade grande? Sim, mas é difícil. Uma metrópole envia tantos sinais insanos que o contato genuíno de pessoas verdadeiras acontece raramente. A desconfiança foi gravada nas relações humanas. A mentira e a traição tornaram-se condições de sobrevivência na civilização atual. Todos fomos forçados a mentir – no casamento, na profissão, na vida pública. Se queremos estabelecer confiança, precisamos virar do avesso todas as nossas estruturas sociais – e isso estende-se aos nossos casamentos. É a isso que chamamos de revolução.
"A desconfiança foi gravada nas relações humanas. A mentira e a traição tornaram-se condições de sobrevivência na civilização atual", Dieter Duhm
SABINE
Qual é a proporção de adeptos da monogamia e do poliamor em Tamera?
Sabine. Existem todos os tipos de relacionamento. Frequentemente os casais escolhem a monogamia por um tempo, começando depois a abrir-se para outros. Muitos descobrem que na realidade não buscavam um parceiro, querem viver em poliamor. Após alguns anos a maioria das pessoas se decide por uma parceria profunda.
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O casal Sabine e Dieter em 2003
Como foi sua experiência pessoal? Eu vivi numa relação aberta com Dieter por mais de 30 anos. Ambos gostamos das aventuras com outros. É maravilhoso voltar depois para casa e poder partilhar abertamente as experiências que tivemos. Isso torna a parceria mais profunda, caso não se encontre ligada com o medo da perda. A experiência tornou o nosso Eros mais rico e mais profundo. Muitas pessoas desejam esse tipo de parceria e aqui trabalhamos para torná-la possível.
Quais são as vantagens do amor livre? O Eros é anarquista na sua essência. Nenhum ser humano pode ser possuído. É devido ao nosso profundo medo da perda que queremos possuir um ser humano, mas isso não corresponde à natureza do amor e só contribui para sua destruição. O Eros necessita mover-se livremente para revelar sua essência. Se a água é bloqueada, irá provocar devastação e destruição. Mais pessoas morrem por problemas não resolvidos no amor do que em acidentes de automóvel. O abuso sexual, a violência doméstica, a mentira e a traição são consequências de um sistema de amor que não corresponde à natureza humana.
Já sentiu ciúmes de Dieter? Descobri o ciúme em mim, que acreditava já ter ultrapassado, mas não chantageei o meu parceiro com isso. Concentramo-nos juntos na questão da cura e em restabelecer a confiança. Este é um longo caminho, que nunca terminará. Todos temos nossas feridas históricas, nossos traumas.
Uma proposta de amor livre pode dar certo numa cidade grande? É uma pergunta delicada. Conheço cada vez mais casais que querem isso e certamente é possível, mas o caminho não é fácil. No movimento de 68, muitos transportavam a sexualidade livre nas suas bandeiras, sem saber como poderia funcionar. Sublinho que não se trata de aventuras rápidas, mas de construir estruturas sociais novas, onde o amor possa ser vivido sem medo. Se um casal quer abrir-se à sexualidade livre, aconselho que o faça sob acordo mútuo. Os homens têm “escapadelas” com a justificativa de que “minha mulher não compreenderia”. A consequência é o ódio e a separação. A nossa sociedade foi estabelecida de forma que impossibilita a verdade no amor. Somos todos forçados a desempenhar papéis. Creio que a comunidade é o molde que torna o caminho viável.
Vai lá: Leia o artigo de Dieter Duhm sobre amor livre: www.tamera.org/pt/pensamentos-basilares/o-que-e-amor-livre