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O simbólico e o imaginário

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Kelvin Cavalcante/Futura Press

Em 2013 a capital cearense questionava a Copa durante as manifestações de junho. Um ano depois a cidade foi o palco do jogo contra o México

Em 2013 a capital cearense questionava a Copa durante as manifestações de junho. Um ano depois a cidade foi o palco do jogo contra o México

O #nãovaitercopa e o #vaitercopa foram as duas faces da mesma moeda. Para quem sabe separar uma dimensão da outra, é possível torcer pela seleção e participar de protestos

O futebol é um fenômeno total. Ele mobiliza diversos registros da experiência: o social e o individual, o econômico e as paixões, a estética, a ética, a cognição, entre outros. Um jogo pode ser lido como um texto de teoria (é a sua dimensão tática, alçada a uma sofisticação sem precedentes pela geração PVC-ESPN); pode ser experimentado como aquela forma cheia de sentido, e entretanto intraduzível, que é a de um poema (qualquer lance de beleza); pode ser criticado em seu âmbito organizacional, com as maracutaias das federações, locais e internacionais (não preciso dar nome aos bois); pode ser o estopim das violências mais brutais (brigas entre torcedores, incluindo assassinatos nas cercanias dos estádios).

Justamente, em sua origem o futebol é sublimação da violência, e por isso mesmo está sempre na iminência de retornar à ela, à sua forma crua. O futebol é a versão civilizada de uma disputa. Quando falamos em disputa, rivalidade, entramos no registro que Lacan, o psicanalista, chamou de imaginário: a dimensão mais primitiva do psiquismo humano, feita de identificações, que formam o narcisismo, a autoimagem de um sujeito, que por sua vez é a base do seu eu. As paixões, no futebol, estão ligadas a isto: torcemos por um clube porque nos identificamos com ele, quem briga com o torcedor do time adversário é porque o experimenta como uma ameaça à sua própria identidade (numa lógica semelhante à do monoteísta que não pode tolerar uma crença diferente).

Tudo isso é a dimensão imaginária no futebol. Mas ele mobiliza também a dimensão que o mesmo Lacan chamou de simbólica: as maracutaias institucionais dizem respeito à Lei (que é o simbólico por excelência); cada vez que um jogador simula uma falta, está cometendo uma falta moral etc.

Por essas razões e desrazões é que o futebol une e desune ao mesmo tempo. Une uma torcida, mas excluindo as demais. Une, para os que gostam dele, por sua beleza, por sua guerra sublimada, por sua inteligibilidade; mas desune esses com aqueles que colocam em primeiro lugar suas faltas contra a Lei.

O #nãovaitercopa e o #vaitercopa foram, às vésperas do acontecimento hipertotal que é a Copa, as duas faces da mesma moeda, o simbólico e o imaginário. De minha parte, penso o seguinte: o futebol só é alienante, “ópio do povo”, para os que não sabem separar uma dimensão da outra. Para os que sabem, é possível, sem contradição, torcer para a seleção brasileira e participar de protestos; comemorar um gol do Neymar e uma conquista do MTST.

Francisco Bosco é escritor e colunista do jornal O Globo.


Nando Reis, Rafael Coutinho e Maria Paula no Trip TV #06

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Divulgação

Nando Reis:

Nando Reis: "impossível retornar aos Titãs, mas eu queria muito retornar à amizade..."

No episódio desta semana o Trip TV bate um papo sério com o cantor e compositor Nando Reis. Fundador da banda Titãs, Nando fala de saudade ("impossível retornar aos Titãs, mas eu queria muito retornar à amizade, à convivência com eles") e da sua nova vida, livre do uso de drogas: "Eu estava sofrendo muito".

O programa também visita o ateliê de Rafael Coutinho. Importante representante da nova geração dos quadrinhos nacionais, Rafael mostra seu trabalho e conta como foi acompanhar a transformação de seu pai, o cartunista transgênero Laerte Coutinho: "Ele trata isso de um jeito muito natural, não é uma coisa afetada, maluca".

Maria Paula, a eterna musa do Casseta e Planeta, fala sobre drogas, mente humana e sobre como seu sogro, Eduardo Suplicy, ajudou a diminuir seu trauma de política: "Eu acho política um saco, eu nasci em Brasilia e vi todo o tipo de corrupção acontecer".

E Ian SBF, a mente brilhante por trás do canal de humor Porta dos Fundos, conta como é dirigir alguns dos vídeos mais assistidos da internet brasileira: "O que a gente mais defende é a nossa liberdade de expressão".

 

Tudo isso no Trip TV da próxima quinta, dia 24 de julho. É à 1h30 da manhã, na Band.

Primeiro post de disruptivebydesign

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ME ENGANA QUE EU GOSTO ou AGULHA NO PALHEIRO

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A partir do início da propaganda eleitoral na TV, vou periodicamente, até a eleição, publicar nesse espaço duas notas: uma é a  "ME ENGANA QUE EU GOSTO" - para expor candidatos que por estratégia, falta de conhecimento das competências de seus cargos ou mesmo rabos presos com coligações partidárias ou financiadores gananciosos, estão prometendo o que não podem cumprir. A outra é a "AGULHA NO PALHEIRO" - para valorizar ações de candidatos que estão sendo honestos com a viabilidade das suas propostas e com a conduta da suas campanhas. São poucos, é verdade, mas existem e resistem. 

Farei isso, pois casa vez mais acredito que temos que romper com a postura passiva da reclamação constante e da analise cômoda, fria e distante. A consciência cidadã plena, parte da percepção de que todos nós, de alguma forma e usando as ferramentas que estão às nossas mãos, podemos trabalhar para transformar nossa política.

Mãos à obra!

Querer é poder

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Alfred Weidinger

Estamos bem no meio da batalha para conceber e compilar o conteúdo desta Trip, com a missão de levantar a discussão sobre as formas, condições e contextos aparentemente mutantes daquilo que se convencionou chamar de poder. Uma surpresa interessante e inspiradora brota no meio da enxurrada incontrolável de e-mails que, indiferente a todas as barragens e eclusas que se possa inventar, aumenta seu caudaloso volume em regime de progressão geométrica. A mensagem é curta e simpática, e vem assinada pelo nosso colaborador de muitos anos, o fotógrafo André Andrade. Ele nos felicita pela menção à Trip num artigo do professor de ética e filosofia política da Universidade de São Paulo e pensador reputado Renato Janine Ribeiro.

Curiosamente, o artigo publicado dia 17 de junho no jornal Valor Econômico tratava exatamente do poder. A pretexto de analisar as reações dos principais candidatos às eleições presidenciais aos coros de xingamentos dirigidos a Dilma Rousseff durante jogos da Copa do Mundo, Janine faz uma original associação de ideias que leva o leitor diretamente ao seu ponto: como os candidatos àquela que, pelo menos em princípio, é a mais poderosa das cadeiras de um país, encontram-se distantes, cegos, surdos e alheios às verdadeiras e fundamentais novas pautas que se apresentam em sociedades como a nossa hoje. Temas que vão bem além das evidentes e não menos relevantes carências ligadas a saúde, moradia, mobilidade e educação, que se revezam em debates e plataformas de eleições em todos os níveis há décadas, sem que muita coisa de fato seja transformada, diga-se de passagem.

Vejamos alguns trechos extraídos do artigo, que deixam ainda mais clara a tese do autor:

“... A primeira exigência para quem quer governar o Brasil é identificar os sinais do novo. O maior deles, no período recente, esteve nas manifestações de 2013, rompendo com a política tradicional”.

“... O episódio [da reação dos candidatos Aécio e Eduardo aos xingamentos a Dilma, que Janine avalia como questionável e equivocada] revela a pouca sensibilidade dos candidatos homens à renovação dos costumes. Essa nova sensibilidade não se confunde com a direita ou esquerda tradicionais. Aparece no El País, no New York Times, no Guardian, na revista Trip. Repudia o preconceito contra negros, mulheres e homossexuais. Detesta a opressão e a corrupção...”

“... Temos duas agendas distintas na dimensão política da vida social. Uma é centralmente política, enfeixando metas sociais e em meios econômicos. Sobre esta, nossos três candidatos têm muito a dizer. Outra é dos costumes, agenda essa forte especialmente no Brasil: combate preconceitos, opressão e corrupção. É esta agenda que dá o tom do novo, dos jovens – embora não agrade a nenhum dos três candidatos, afeiçoados a uma visão tradicional da política...”

“... Para terminar, esta não é uma questão que possa ser brifada por um assessor. Um candidato pode ter gurus sobre a economia, a energia, transportes, saúde, até mesmo educação – mas precisa entender de política, de sociedade, do movimento do mundo. Gurus são para matérias técnicas, os valores são com o líder. Se ele não capta o espírito do tempo, dará problema”.

Recortar partes de um todo complexo como o artigo de um pensador de alta patente é sempre algo delicado. Felizmente a tecnologia permite reparar qualquer possível dano involuntário, publicando aqui o link para a íntegra da peça em questão: http://goo.gl/60lqjY

No artigo completo, o leitor poderá conhecer em detalhes a análise desenhada pelo autor sobre cada ponto forte e fraco nos movimentos e nas posturas até aquele momento de cada um dos três principais postulantes ao cargo maior da administração pública brasileira. Mas, destacando as ideias acima, não só compartilhamos com você a satisfação de ver a Trip alinhada a poucas e boas publicações que gozam de enorme respeito em âmbito mundial, mas, muito especialmente, porque a menção nos estimula a fortalecer nossa trajetória em busca de crenças, teses, perguntas e visões que, bem além de gerar apenas resultados materiais, possam de fato contribuir para o amadurecimento de uma nação tão duramente judiada como a nossa.

Aqui, em suas mãos, nesta edição que procura lançar um olhar solto e elevado para as velhas e novas manifestações do poder, você verá mais uma genuína tentativa.

Paulo lima, editor

P.S. Alguns dias depois, Renato Janine publicou no jornal O Estado de S.Paulo outro interessante artigo com nova menção à Trip como fonte crível onde se podem ler os anseios de liberdade da sociedade brasileira que, a seu ver, escapam aos candidatos e a uma parte importante da população: http://goo.gl/iVt7Xo

P.S. 2 Na mesma semana de agosto em que comemoramos a exibição do décimo episódio do nosso recém-nascido programa de televisão, o Trip FM, versão radiofônica da Trip, celebra seu 30º aniversário. Trinta anos de muita alegria...

Quem tem poder hoje? Trip #235

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A edição de agosto da Trip chegou hoje às bancas! A edição é especial sobre poder - Quem tem poder hoje?

Nas Páginas Negras: Guilherme Leal, Marcos Vinícius de Campos, Ricardo Young e o grupo RAPS, uma rede que quer mudar o Brasil. É possível transformar a política por dentro atuando de lado de fora?

Trip Girl: Natália Scabora, a hostess mais sensual de São Paulo, chega em casa e tira a roupa

Quem tem poder hoje? Neymar, Obama, Osama, Globo, Google, Muuzinho, Mídia Ninja, Bolsonaro ou a bunda da blogueira fitness? Em tempos intensos, tensos e instáveis, hegemonias duram pouco e trocas de comando são instantâneas: afinal, quem dá as cartas agora?

E tem muito mais! Vai lá nas bancas

A trajetória de Nelson Triunfo no TRIP TV

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Nelson Triunfo no Trip TV

Nelson Triunfo no Trip TV

No TripTV desta semana a atriz Mel Lisboa dá uma geral na sua carreira e fala sobre o lado mais complicado de ter estreado na televisão como a sensual protagonistada da minissérie da Rede Globo Presença de Anita: "A sexualição da minha imagem foi muito forte e fiquei bastante confusa. Em alguns momentos eu me boicotava. Boicotava a minha beleza, minha sensualidade. Eu queria ser estranha, não queria ser a gostosa".

Meio cronista esportivo, meio conselheiro sentimental e improvável símbolo sexual, Xico Sá revela ao programa como descobriu, na década de 90, o paradeiro do então foragido PC Farias e fala do seu amor ao futebol e, claro, às mulheres: "Eu acredito na safadeza como grande atrativo da mulher".

O Trip TV também resgata a história de Nelson Triunfo. Figura central da história do hip-hop no Brasil, Nelson bateu de frente com a ditadura militar ao levar seu boombox e seus passos de dança para as ruas de São Paulo: "Eu apanhei muito da polícia. Eles falavam que era vadiagem. Eu tentava explicar que aquilo era cultura”.

Pra fechar o programa, a beleza e a sensualidade de Emanuelle Saeger. Baiana, dona de galeria de arte em São Paulo e ex-funcionária da revista Trip: "Se eu acredito que eu tenho que estar nua para mostrar que isso não necessariamente é vulgar, eu vou ficar nua".

Tudo isso, e muito mais, no Trip TV da próxima quinta, dia 28 de agosto. É à 1h30, na Band.

Verão na Faixa de Gaza

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Alfred Weidinger

O soldado israelense abriu meu passaporte e olhou incrédulo. “O que um judeu quer fazer em Gaza? Eles vão te matar.” Decidi que, se a coisa ficasse preta, eu poderia contar com a proteção do meu passaporte brasileiro

No verão de 1996, fui convidado pela Movimondo, uma ONG italiana, para dirigir um documentário sobre suas atividades humanitárias. Eles me deram carta branca para filmar em qualquer um dos muitos países onde operavam. Quando olhei para a lista de lugares, um nome me saltou aos olhos: Faixa de Gaza! Para um judeu como eu, Faixa de Gaza é um nome que evoca medo, violência, extremismo religioso e ódio. Cresci ouvindo falar de como nas escolas de lá as crianças são educadas para nos odiar, para se tornarem terroristas. Cresci sentindo culpa e horror cada vez que via na televisão essas mesmas crianças sofrendo na pele as consequências de um conflito do qual, bem de longe, faço parte, mesmo acreditando que o sangue palestino vale tanto quanto o sangue judeu. Com essa confusão na cabeça, não hesitei e fui para Gaza.

Um pequeno parêntese: desde 1994 Gaza era governada pela Autoridade Palestina, chefiada por Yasser Arafat. No ano anterior, israelenses e palestinos assinaram o Acordo de Paz de Oslo. A comunidade internacional estava investindo em diversos projetos de desenvolvimento em Gaza. Os mais ufanistas diziam que em poucos anos Gaza seria a Hong Kong do Oriente Médio. Um caminho para a soberania palestina estava sendo construído. Em 1995, quando o ex-primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin foi assassinado por um judeu extremista – precisamente por ter assinado o Acordo de Oslo –, Arafat foi ao apartamento da viúva de Rabin em Telaviv para levar suas condolências. Diz o ex-presidente americano Bill Clinton que os dois homens eram amigos de verdade. Enfim, não havia ainda uma paz sólida, mas vivia-se um raro momento de tranquilidade.

O soldado israelense no posto fronteiriço de Erez abriu meu passaporte e olhou para mim, incrédulo e arrogante. “O que um judeu quer fazer em Gaza? Eles vão te sequestrar, te matar, te esquartejar”, disse. Não dei ouvido, mas senti muito medo. Goldman, meu sobrenome, me condenaria enquanto judeu – na Segunda Guerra Mundial, me levaria diretamente para uma câmara de gás. Mas, em Gaza, decidi que se a coisa ficasse preta eu poderia contar com a proteção do passaporte brasileiro. Tinha comigo seis camisetas da seleção para dar de presente para os meus futuros sequestradores. Na hora que fossem me matar, eu ia gritar: “Sou brasileiro, tetracampeão! Viva o Bebeto, Dunga e Taffarel!”. Com certeza, seria poupado.

Fui recebido na associação dos paraplégicos com enorme carinho. Ninguém se interessou em perguntar meu sobrenome. Me levaram para passear em “antros do inimigo”: os famigerados campos de refugiados de Khan Yunis, Jabalia e Rafah – todos muito pobres, mas, naquela época, muito menos miseráveis do que o Complexo do Alemão ou Paraisópolis. Me senti estranhamente em casa. Muitos falavam um pouco de inglês e o tempo todo era tratado com sorrisos e gentilezas. Cada refeição era um banquete e eu, em absoluto, não podia pagar nada. Aprendi que não existe hospitalidade como a que se encontra no mundo muçulmano. Bem receber hóspedes é um preceito sagrado do Alcorão.

GUERRA E PAZ

Meus anfitriões foram tão afetuosos que eu comecei a sentir culpa por esconder minha verdadeira identidade. Um dia na praia, depois de uma semana de convivência, resolvi contar para o pessoal que, sim, eu era brasileiro, mas era também judeu. Fiz bar-mitzvá, estudei hebraico e frequentei um grupo sionista de esquerda. Tinha visitado meus familiares em Israel várias vezes e passei um mês trabalhando num kibutz na Galileia. Ninguém pareceu surpreso ou incomodado com a revelação. Muitos começaram a falar comigo em hebraico. Falamos de guerra e paz, fizemos um campeonato de pingue-pongue e até paquerei uma cadeirante linda chamada Samira. Rolou só a meiguice de um inesquecível beijo no rosto...

É uma memória que, diante do trágico presente, parece absurda. O Acordo de Oslo fracassou. A maioria dos judeus culpa os árabes pelas desgraças. A maioria dos árabes culpa os judeus pelas desgraças. A maioria dos que não são judeus nem árabes julga a questão a partir dos próprios preconceitos e ignorâncias. Neste mar de ódio e recriminação, cabe a cada um matar quanto pode. Mas não podemos esquecer: lá estávamos no verão de 1996, prestes a ter uma história completamente diferente para contar.

*Henrique Goldman, 51, cineasta paulistano radicado em Londres, é diretor do filme Jean Charles


Sem atalhos

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Alfred Weidinger

Não há como existir, em sociedades complexas, o exercício direto do poder, assim como são outras pessoas que plantam o que você come e fabricam suas roupas. Mas o sistema deve ser aperfeiçoado

Se você não vive numa pequena comunidade indígena isolada nem num pequeno cantão suíço, então, não se iluda, a sua prática política não é, nem será, direta. Você poderá atuar em coletivos, participar de manifestações, opinar na associação de bairro. Mas da grande política, a que determina a atuação do Estado, você participará indiretamente, por meio de representantes. Não há como existir, em sociedades complexas, o exercício direto do poder, assim como são outras pessoas que plantam o que você come, fabricam o que você veste e assim por diante. Sendo “representativa” ou “indireta”, a prática política é, por definição, imperfeita. O que não quer dizer, porém, que não possa e não deva ser, vez ou outra, aperfeiçoada. É o caso do Brasil hoje. E com urgência.

Os protestos que tomaram as ruas do país no ano passado foram interpretados de diversas maneiras, mas a que eu prefiro é a de que o Brasil vive uma séria crise de representatividade. Aparentemente, essa também é a visão do governo Dilma. Tanto que partiu de lá, há pouco tempo, a proposta de criação de conselhos populares, uma forma pela qual a sociedade poderia “cortar caminho” e, pelo menos em parte, se autorrepresentar, passando ao largo dos partidos e do Congresso. Ora, essa solução apenas mudaria um modelo de representação por outro, não necessariamente melhor, com a tendência de desequilibrar o jogo em favor de grupos mais organizados, por exemplo, ruralistas, evangélicos, sindicatos tradicionais, movimentos de sem-teto etc.

Ok, é complicado esperar que o sistema melhore por iniciativa de um Congresso que não se cansa de legislar em causa própria. Afinal, a forma como está estruturada a democracia brasileira foi definida pela Constituinte de 1988, trazendo um defeito de nascença: a Assembleia que votou a Constituição não foi escolhida exclusivamente para esse fim, foram “aproveitados” os parlamentares eleitos em 1986, quando ainda vigorava o regime militar. Mas, se é ruim com o Congresso, será muito pior sem ele. Historicamente, as tentativas de criar atalhos entre o povo e o poder acabaram, na maior parte dos casos, por gerar ditaduras, ora fascistas, ora comunistas, ora populistas, nas quais os líderes, sem a intermediação das instâncias minimamente plurais e independentes do Legislativo e do Judiciário, passaram a governar “diretamente” respaldados por uma vaga e nunca bem aferida “vontade popular”. No fim das contas, mesmo que não lidere as reformas, o Congresso não pode ficar de fora.

BUSH X AL GORE

Mas o que, e como, reformar? Não existem respostas simples. Nenhuma democracia no mundo é perfeita, todas passam por crises periódicas, nas quais são obrigadas a olhar para dentro e discutir mudanças. Só para dar um exemplo: a mais antiga das democracias ocidentais, a dos Estados Unidos, viveu há alguns anos, por conta do modelo ali adotado (que dois séculos atrás parecia perfeito), a situação em que o candidato mais votado (Al Gore) perdeu a eleição para o segundo colocado (George W. Bush).

No Brasil, os problemas são inúmeros e conhecidos: o financiamento de campanhas, a ausência do voto distrital, a relação promíscua entre Executivo e Legislativo, as regras para a criação e o funcionamento dos partidos, a reeleição, o poder sem ética de um marketing político que vende candidatos como se fossem geladeiras, e por aí afora. Mas pior do que deixar como está será buscar soluções atabalhoadas. Especificamente no caso atual, não se pode cogitar que reformas no sistema possam ser impostas pelo Executivo, por decreto (ainda mais em fim de mandato).

O aperfeiçoamento do sistema político brasileiro é necessário e urgente, e talvez abrir esse debate seja mesmo a maior prioridade na agenda do próximo presidente eleito, seja lá quem for. É dela que devem partir, em seguida, outras reformas inadiáveis, como a tributária, a previdenciária e a trabalhista. Sabendo disso, devemos ter em mente que, apesar da urgência, a tarefa que temos pela frente é extremamente complexa. Ela terá que envolver toda a sociedade numa ampla e profunda discussão, sem comportar atalhos ou remendos.

*André Caramuru Aubert, 50, é historiador, editor e autor do romance A vida nas montanhas. Seu e-mail é andre.aubert@hotmail.com

Olho no voto

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Alfred Weidinger

Vou reativar meu blog na Trip para publicar duas colunas: uma para expor candidatos que prometem o que não podem cumprir e outra para valorizar os que estão sendo honestos com a viabilidade das suas propostas

Já escrevi neste espaço que 2014 tem grande potencial para ser o ano de uma frustração enorme com a política, e que talvez daí possa surgir uma nova postura mais participativa e mais próxima das pessoas em relação aos rumos do nosso país. Na ocasião, refleti sobre o choque que seria – depois das manifestações de junho de 2013 – a constatação de que pouca gente que foi às ruas optou pela via institucional para lutar por mudanças. Ou seja, quase ninguém novo se filiou a um partido político e será candidato nas eleições de outubro.

É quase certo que a renovação será muito pequena e estamos fadados a conviver por mais tempo com mais do mesmo, tanto nas eleições majoritárias, dominadas pela lógica polarizada e pela obsessão por minutos na TV que fazem os candidatos esquecerem qualquer compromisso ético, como nas eleições proporcionais, que elegem os deputados estaduais e federais. Nesse último caso, creio que a falta de novos nomes é ainda mais trágica pela importância estratégica de nossas casas legislativas. Faço uma ressalva aqui, claro, para as bravas exceções que seguem fazendo trabalho sério e remando contra a maré.

Pois bem, apesar de apontar o dedo com convicção para a falta de participação política e a crise total das instituições democráticas e representativas – talvez os principais motivos mobilizadores da multidão que foi às ruas em 2013 –, acho que de alguma forma precisamos tentar diminuir o estrago da 
situação alarmante.

Atuar por uma bancada grande de políticos capazes de mudar tudo o que precisa ser mudado é utópico, tendo em vista a escassez de opções. Mas trabalhar para que haja pelo menos a consciência das trapaças e falsas promessas ao longo da campanha, para escancarar os tipos que contaminam nosso sistema representativo, me parece um primeiro passo viável e uma espécie de complemento qualitativo ao processo desencadeado ano passado. O conhecimento de “como a salsicha é feita” talvez seja algo que possa aprimorar nossa democracia e nos levar a uma etapa mais objetiva para futuros processos de mobilização popular por melhorias.

AGULHA NO PALHEIRO

Por isso, a partir desta edição, vou reativar meu blog Outra política no site da Trip para publicar duas colunas até a eleição: uma é a “Me engana que eu gosto”, para expor candidatos que, por estratégia, falta de conhecimento das competências de seus cargos ou mesmo rabos presos com coligações partidárias ou financiadores gananciosos, estão prometendo o que não podem cumprir. A outra é a “Agulha no palheiro”, para valorizar ações de candidatos que estão sendo honestos com a viabilidade das suas propostas e com a conduta da suas campanhas. São poucos, é verdade, mas existem e resistem.

Farei isso, pois acredito que temos que romper com a postura passiva da reclamação constante e da análise cômoda, fria e distante. Defendo a consciência cidadã plena, parte da percepção de que todos nós, usando as ferramentas que estão às nossas mãos, podemos trabalhar para transformar nossa política. Acredito ser possível qualificar as nossas reivindicações. Acredito ser possível ocupar espaços. Acredito ser possível discutir e transformar o poder.

*Alê Youssef, 38, é apresentador do programa Navegador, da Globonews, comentarista do programa Esquenta!, da TV Globo, advogado e produtor. Seu e-mail é alexandreyoussef@gmail.com

Podres poderes

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Alfred Weidinger

A política tradicional está se desconstruindo rapidamente no Brasil. Novas formas de pressão estão se construindo: Black Blocs, MTST, Movimento Passe Livre e as passeatas populares convocadas pela internet

Ao me propor a escrever sobre as novas formas de poder e a possibilidade de uma reforma política no país, fui dar uma fuçada em livros de mestres do pensamento. Mas, logo no início, percebi a perda de tempo. Os pensadores falam de política tal qual fosse a mais nobre das aspirações humanas. Um político seria alguém cuja bondade e generosidade ultrapassariam seu próprio ser. Na República, de Platão, ele seria o suprassumo da sociedade, o sábio; em Assim falou Zaratustra, de Nietzsche, é o super-homem. Sabemos, o homem moderno está muito aquém de tais aspirações. Há seres excepcionais, como Gandhi, Mandela, Albert Schweitzer e Martin Luther King, mas quantos mais?

A política está se desconstruindo rapidamente. Novas formas de pressão e poder estão se construindo: Black Blocs, MTST, Movimento Passe Livre, os coletivos e as passeatas populares convocadas via internet, movimentos contestando decisões sindicais e por aí afora. E pensar que foram necessários milênios para construir as atuais estruturas políticas...

Creio que as possíveis transformações passam por dois pontos de vista radicais: ou confiamos no homem ou não confiamos. No caso de julgarmos o homem merecedor de confiança, então a missão é encontrar homens confiáveis. Na Suécia, o primeiro-ministro vai de metrô ao trabalho. Podemos considerá-lo de confiança? O homem confiável é produto da cultura e da educação de uma sociedade mais antiga? É possível pensar que, daqui a décadas, quando houver mais cultura e educação em nosso país, teremos homens mais confiáveis? Não há como cada qual fazer do jeito que bem entende. O bem comum é o valor maior. A prisão é uma instituição que se provou falida. Mas não se inventou nada diferente no lugar, então ficou como está. O mesmo se dá com o Estado. É outra instituição falida, mas não temos estruturas melhores para substituir, então continuamos com as que conhecemos. A representação existe porque não há como todos falarem ao mesmo tempo, ninguém entenderia.

Caso se opte pela desconfiança quanto ao homem, o que fazer? A solução seria criar câmeras de vigilância sistemáticas. Códigos com regras claras e que punam duramente os infratores. Regras a serem inspecionadas rotineiramente e inspeções que sejam vigiadas periodicamente. Auditorias, tribunais de contas com juízes e funcionários de carreira. Não haverá por que ter “cargos de confiança”. Talvez até chegar ao presidente que, com sua equipe, seria o vigilante-mor.

ENCASTELADOS

Temos feito um caminho do meio, mas de modo tão ineficiente que inviabilizou o processo. A reforma política é algo que se impõe por si mesmo.

Há tribunais de contas para vigiar os gastos dos governos. Há regras de conduta ética dos políticos acerca do decoro parlamentar. Mas os juízes dos tribunais são nomeados por políticos no poder, e é sobre as contas de seus “padrinhos” que irão julgar. Os conselhos de ética são formados por políticos e o corporativismo tem sido a orientação predominante.

A alternância no poder é a nossa melhor invenção, mas é sabotada pela reeleição para cargos majoritários. No estado de São Paulo, um único partido governa há 20 anos. As secretarias, as autarquias e as fundações do Estado, cargos decisivos cujos gestores não são eleitos, os tais “cargos de confiança”, estão sob o domínio das mesmas pessoas há décadas. Essas pessoas estão encasteladas e procedem como se tais instituições fossem uma extensão de si mesmas.

Que reforma política realizar? Endurecer, vigiar, criar penas severas para todo tipo de corrupção e acabar com a impunidade? Talvez confiar que o homem fará o que melhor lhe for possível? Parlamentarismo e voto distrital são alternativas que merecem ser tentadas. Caso não dê certo, tentaremos de novo sempre, provavelmente, até um dia acertarmos.

*Luiz Alberto Mendes, 60, é autor de Memórias de um sobreviventeSeu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

Garoto Prodígio

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Alfred Weidinger

Documentário joga luz sobre a morte de Aaron Swartz, o gênio da internet que se suicidou ao ser processado nos EUA

Se você quer saber mais sobre como o poder se reconfigura no nosso mundo conectado em rede, recomendo assistir ao filme The Internet’s own boy: the story of Aaron Swartz (O garoto da internet: a história de Aaron Swartz). Já escrevi algumas vezes sobre Aaron aqui na Trip. Para quem não se lembra, trata-se do garoto prodígio que aprendeu a ler com 3 anos de idade e a programar com menos de 7 anos. Com 14, já tinha inventado o RSS, padrão que está na base de praticamente todos os sites importantes da internet de hoje, do Facebook ao Twitter.

Aaron tirou a própria vida aos 27 anos. Ele não resistiu à pressão de ter de responder sozinho a uma ação movida por procuradores federais dos EUA por conta de uma conduta que não causou dano a ninguém: ter baixado um grande número de publicações acadêmicas do site JSTOR na rede do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Ameaçado de ir para a cadeia por mais de 35 anos por conta da intransigência dos procuradores, Aaron sucumbiu.

O documentário mostra um ponto que ficou de fora das inúmeras matérias que foram escritas sobre ele no mundo todo após a sua morte: por que o governo americano insistiu tanto em fazer dele um exemplo? Por que mesmo depois do site JSTOR ter desistido de mover qualquer ação contra ele, os procuradores seguiram em frente?

A tese defendida pelo documentário é de que a internet redistribuiu o poder na sociedade. E que garotos como ele, que dominam não só as redes, mas também o código de programação, conseguem influenciar todo o sistema social e provocar mudanças nos poderes estabelecidos. Por isso, os procuradores se empenharam tanto em passar um recado duro, na tentativa de dissuadir essa possibilidade.

E era exatamente isso o que Aaron queria: mudar o mundo. Com 17 anos, ele percebeu que conseguiria facilmente ficar rico com a internet. Com essa idade, ele cofundou o site Reddit, que foi vendido para um dos maiores grupos de mídia do mundo por milhões de dólares.

ALÉM DE ZUCKERBERG

Só que esse não era o objetivo de Aaron. Ele não queria ser outro Mark Zuckerberg. Queria usar suas habilidades para melhorar o mundo em que vivia e aperfeiçoar o sistema político americano. Uma de suas principais lutas era pela reforma do modelo de financiamento de campanha nos EUA. Aaron se incomodava com a facilidade com que é possível trocar dinheiro por poder. Quem financia campanhas eleitorais americanas praticamente domina o Congresso. Na visão dele, isso era ao mesmo tempo uma usurpação da democracia e uma situação antirrepublicana. Dinheiro não deve ser convertido automaticamente em poder político.

Aaron trabalhou até a sua morte para criar novos modelos que permitiriam consertar essa distorção. Lutou pelo financiamento público de campanha por modelos de crowdsourcing aplicados à política. Se Aaron tivesse ficado conosco, continuaria sendo uma usina de ideias com grande potencial de gerar mudanças.

Apesar de o foco do trabalho dele ser os EUA, acompanhava as batalhas que ocorriam no Brasil. Chegou a visitar Belém do Pará e o Rio de Janeiro, onde ficou hospedado na minha casa. Fico sempre pensando que nunca tive a oportunidade de explicar a ele como funciona o sistema político brasileiro e o financiamento de campanha em nosso país. Tenho certeza de que ele encontraria aqui similaridades muito grandes com sua batalha em sua terra natal.

*Ronaldo Lemos, 37, é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu Twitter é @lemos_ronaldo

Todo mundo nu

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Alfred Weidinger

Na sociedade em rede, tudo está exposto. Quem exerce o poder deve ter uma nudez boa de ser exibida, sem depender da roupa criada por seu marqueteiro

Caro Paulo,

O rei está nu – esta é a nova condição para o exercício do poder. Essa expressão foi criada no século 19 pelo dinamarquês Hans Christian Andersen, numa história sobre a vaidade humana. Hoje, no século 21, a expressão tem outra leitura e consequências. Vamos lembrar como ela nasceu para depois relê-la. “Dois alfaiates malandros inventaram a existência de um tecido com uma beleza extraordinária que só podia ser percebida por pessoas muito inteligentes. O rei, vaidosíssimo, ficou sabendo e chamou os alfaiates ao palácio para confeccionar uma roupa nova com o tecido maravilhoso. Os alfaiates disseram que, para atender ao pedido do rei, precisavam se instalar no palácio sem que ninguém pusesse os olhos no tecido. Assim, foram para uma sala protegida onde colocaram o ‘tecido’ em cima de uma mesa. O primeiro-ministro do reino, com receio de não passar no teste de inteligência, alegando aos guardas razões de segurança, entrou na sala para ver o tecido. Claro que não viu nada, mas disse ao rei que viu – ‘O tecido é magnífico, divino!’. O rei foi conferir e demonstrou enorme encanto e satisfação apesar não ter visto nada em cima da mesa. Os comentários se espalharam pelo reino e todos ‘viam’ a extraordinária beleza do tecido, até o dia em que o rei desfilou com sua roupa nova. Todos elogiavam entusiasmadamente, menos uma criança, que viu a verdade e gritou surpresa: ‘O rei está nu!’. Só então todos caíram na real e o rei mandou decapitar os alfaiates embusteiros.”

A história ainda é boa porque a nossa condição humana é esta mesmo: preferimos a segurança de concordar com a maioria, mesmo que seja mentira, para não ter o desconforto de ver a verdade e ter que agir. Mas, na atual sociedade em rede, não precisamos de crianças para nos mostrar a verdade. Ela está aí, na nossa cara, cada vez mais exposta. E exigindo que a gente se posicione, porque nós também estamos cada vez mais expostos.

A transparência do tempo real como característica de cenário nos aconselha que nossa nudez seja boa de ser exposta. E que o exercício do poder de cada um, na horizontalidade da rede ou na verticalidade da pirâmide hierárquica, promova mais bem do que mal para que sejamos queridos e não odiados por nossos contemporâneos. Neste cenário onde tudo está exposto, o poder só não é frágil para quem depender de sua nudez para ficar bem na foto; e não de sua roupa nova, por melhor alfaiate que seu marqueteiro seja.

IMPERFEIÇÃO

Estou acreditando que estamos nos tornando uma sociedade mais bem informada, mais franca e mais precisa, que corrigirá seus desvios da realidade com mais velocidade e inclemência. Por outro lado, será também mais compassiva porque a imperfeição humana será compartilhada como condição de todos e não como defeito de quem não pode comprar a perfeição. Isto é, o defeito será o perfeito. Pronto, a fábula do século 21 não é sobre a vaidade humana, mas sobre a verdade humana: todo mundo nu! É uma evolução.

Abraço do amigo,

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 65, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus

Trip Trasformadores 2014

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Pedro Fonseca

A partir desta edição, vamos publicar os perfis dos 11 homenageados pelo Prêmio Trip Transformadores de 2014, cuja cerimônia de entrega ocorre em novembro no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo. Desde 2007, o prêmio, agora em sua oitava edição, é entregue a pessoas que dedicam seu tempo e suas melhores habilidades para tornar o mundo um lugar melhor para todos. Gente feliz e realizada com o que faz e que nos inspira a nos doar e buscar mais sentido na vida.

Aseguir, leia as histórias do engenheiro eletricista Augustin Woeltz, criador do Aquecedor Solar de Baixo Custo, que tem potencial para substituir boa parte dos aquecedores residenciais de água no país, e de Marcelo Rocha, o DJ Bola, um dos protagonistas do movimento que tirou o Jardim Ângela, bairro da zona sul paulistana, da lista de lugares mais violentos do mundo.

O Prêmio Trip Transformadores é apoiado por marcas com princípios alinhados à iniciativa e a seus homenageados. Este ano o prêmio é patrocinado pelo Grupo Boticário e O Boticário, uma das empresas pertencente ao grupo e nosso parceiro desde 2008. Copatrocinado pelo Itaú e apoiado por Kero Coco, Suzano Papel e Celulose, Gol Linhas Aéreas Inteligentes, Almap BBDO, Academia de Filmes, Update or Die e Rádio Eldorado FM 107,3.

Pedro Fonseca

Augustin Woeltzinventor movido energia solar

Grandes inventores carregam em sua biografia momentos de descoberta, insistência, superação e glória – ou, ao menos, reconhecimento. Grandes homens passam por tudo isso e ainda conseguem dizer que não foi nada de mais, “apenas” um desejo de colocar uma ideia no mundo. Aos 72 anos, o engenheiro eletricista Augustin Woeltz se encaixa nas duas categorias – e surpreende com sua vontade incessante de inventar soluções de baixo custo para ajudar a salvar o planeta. Augustin é o criador do Aquecimento Solar de Baixo Custo, um sistema de aquecimento de água baseado no mote “faça você mesmo”. Qualquer pessoa monta o sistema em casa, basta seguir as instruções da Sociedade do Sol, a organização sem fins lucrativos que dissemina a tecnologia, seja pelo site, seja por workshops dados por voluntários. Com as informações, tubos e forro de PVC, caixa-d’água e resina, monta-se o aquecedor que abastece uma casa onde moram até cinco pessoas. O investimento é de R$ 400. A instalação de um sistema tradicional varia de R$ 2.000 a R$ 6.000.

O resultado imediato é uma redução na conta de luz de até 60%. E a ação individual, multiplicada, ajuda na redução dos custos ambientais causados pelo consumo de eletricidade. Criada em 2001, em São Paulo, a Sociedade do Sol calcula que há um potencial muito grande para disseminar os aquecedores solares pelo Brasil, mas há receio do consumidor. “Poderíamos ter milhões deles instalados, mas as pessoas querem comprar tudo pronto, chamar um encanador. O pessoal tem medo do diferente, e o aquecedor solar é diferente.” A invenção de Augustin tem ainda um desdobramento social, ao capacitar famílias que optam pela solução e tornam-se porta-vozes. “Quem se encanta com a novidade vira um disseminador.”

A trajetória de inventor remonta à infância. Augustin lembra do encanto que sentiu quando ganhou um kit Cometa, da Casa Aerobras, e montou seu primeiro aeromodelo. Ficou tão entusiasmado que, mais tarde, buscou repetir a experiência. Nascido na Alemanha, Augustin chegou ao Brasil aos 4 anos de idade. Formou-se em engenharia elétrica, seguindo os passos do pai. “O primeiro aparelho de alta fidelidade no Brasil foi ele que fez, nos anos 1950, quando o vinil estava chegando. O ato de ele criar me inspirava”, lembra. Quando terminou a faculdade, virou representante de uma empresa americana que fabricava o girocóptero, uma aeronave que voa graças a um motor traseiro em sua hélice. Nos anos 1970, juntou-se aos negócios da família e passou a vender antenas. Já tinha começado a pensar em fazer algo para o mundo, mas não conseguia deixar a vida corporativa. “Quando você está em uma empresa, ganhando bem, consegue sair dela? Não.” Até que foi demitido pelo pai. “Eu era um péssimo vendedor”, admite, falando que se descobriu um excelente pesquisador.

EURECA

A demissão serviu de impulso para a mudança. Tempos depois ele conheceu seu futuro sócio, com quem criou, no fim dos anos 1980, a Sun Power, empresa que comercializava aquecedores solares tradicionais. Augustin começou a ir a reuniões no Sebrae e foi lá que recebeu o desafio: “Inventem algo para apresentar na Eco-92”. Na conferência da ONU sobre meio ambiente, ele apresentou o protótipo do seu aquecedor solar. A recepção não poderia ter sido melhor. A dupla foi convidada para fazer parte do Centro de Inovação e Tecnologia da USP, onde recebeu incentivos para fazer pesquisas. Mais tarde, a sociedade se desfez. A busca por uma tecnologia que funcionasse durou mais de dez anos. “O momento eureca aconteceu quando, após testar mais de dez tecnologias, uma delas encaixou. O aquecedor estava funcionando, a água estava quente”, relembra com um sorriso no rosto.


“Meu sonho é ver o mundo queimando menos petróleo”



Com o produto finalizado, convocou a imprensa. “Não quis correr o risco de roubarem uma coisa que eu queria dar de graça.” Doar faz parte da trajetória de Augustin. Sua herança foi toda para o projeto, que não tem fins lucrativos. A mulher Elsy e os dois filhos o apoiaram. Augustin relembra o espanto que a decisão causou. “Um dia passou um investidor perguntou como a gente estava ganhando dinheiro. Falamos que não estávamos, que estávamos doando a tecnologia. Ele achou um absurdo.”

Augustin tem tanta energia que parece que acabou de começar. Hoje, quer dar a volta ao mundo de barco. Sua meta é desenvolver navios a vela para fazer a carga de produtos. “Meu sonho é ver o mundo queimando menos petróleo.” O engenheiro sabe que o corpo já não funciona 100%, mas não pensa em parar. “O sonho é a minha ‘empurro-terapia’. Quero chegar lá.”

Pedro Fonseca

Marcelo Rocha, o BolaDJ que fez da festa uma transformação social

MC Mirim está cansado de ligar a TV e ver tragédia. Canta que nasceu no prejuízo, mas vai dar a volta por cima com seus versos impactantes. O mini-rapper de 9 anos faz sucesso no YouTube, com mais de 5 mil visualizações no seu vídeo postado em abril. Pelos comentários, dá para ver que muita gente gostou: “Tem futuro, da hora!”, “Eu não ia falar palavrão não, mas c****, chapei na molecada”. Pedro Henrique, o MC Mirim, tem quase a mesma idade que o seu pai tinha quando tomou gosto por fazer rimas na base do improviso. Ele é um dos três filhos de Marcelo Rocha, o DJ Bola, um cara de 33 anos que ajudou a transformar a vida de jovens do Jardim Ângela, bairro da zona sul de São Paulo.

A transformação veio com festa. Marcelo, ainda criança, começou a inventar rimas e a participar de concursos de hip-hop como MC (mestre de cerimônias). Foi quando colocou as mãos em um toca-discos, no entanto, que seu futuro foi traçado. “Quando soltei a música e fiz um scratch, a emoção foi inexplicável, as pernas começaram a tremer. A sensação foi mil vezes mais forte do que quando peguei o microfone. A partir daí comecei a ser DJ”, lembra.

Adolescente, juntou amigos e vizinhos para fazer festas de rua. “A gente descolava um caminhão com cobertura de lona, pegava o som emprestado e se articulava na quebrada para ver que grupos iriam tocar.” Na pista faziam sucesso hip-hop nacional e clássicos de Grandmaster Flash e Run DMC. A década era a de 90, quando o Jardim Ângela foi considerado pela ONU a região mais violenta do mundo. “A molecada de 15, 20 anos estava matando com arma de fogo aqui. A gente não queria aquilo”, lembra.

Olhando hoje, Bola percebe que foi pela diversão que a conscientização política começou. “Foi nas festas de rua que a gente fortaleceu a identidade do jovem da quebrada, que estava em busca de gritar, ser conhecido, catar umas menininhas e andar bem-vestido.” Da época em que o Jardim Ângela inspirava medo, ainda mais por quem estava do outro lado da ponte, Bola lembra que perdeu amigos e conhecidos para o tráfico, “para as estatísticas” e para a Igreja evangélica. Ficou marcado por uma tragédia: “Mataram um maluco na nossa festa. Nunca mais vou esquecer disso. A festa lotada e, do nada, a gente escuta um monte de pipoco, foi aquela correria. Em minutos só tinha a gente, o som, o defunto e uma mulher no chão. Ficamos desesperados. Quando fomos ligar o caminhão, a caixa de direção quebrou. Mas conseguimos escapar. A polícia não chegou”, conta.


“Foi nas festas de rua que a gente fortaleceu a identidade do jovem da quebrada”

 

Os amigos passaram um ano sem fazer festa, mas depois voltaram. No começo dos anos 2000, o DJ Bola criou A Banca, produtora musical, cultural e social, que tem como missão promover eventos musicais gratuitos, debates sobre educação e saúde e ações de conscientização política. O mote para a criação foi o hip-hop. “O rap salvou a minha vida. Tive uma identificação forte com a música. A gente se via nas letras dos Racionais, do Conexão Central.” E vai além: “Com o rap fui provocado a procurar conhecimento, a falar de luta, de igualdade racial e social. O rap ajuda a combater as mazelas que a gente sofre”.

“MALOQUEIRO DOIDO”

O começo foi difícil – e até hoje o grupo tenta se estruturar. Se antes batiam nas portas do sacolão, do açougue e do dentista para conseguir patrocínio, agora entendem de lei e edital e procuram viabilizar ações mais encorpadas. Trocar a informalidade pela profissionalização foi um caminho que Bola e seus companheiros Macarrão, Fabiana Ivo, Kapoth, Leandro Malhado e a galera do OBG Promotoria do Gueto e do Rimaístas tomaram após a chegada de pessoas de fora oferecendo ajuda. “Gente que via que nem todo mundo aqui estava se matando com arma de fogo. Como disse o Criolo, as pessoas não são más, elas só estão perdidas”, diz, destacando as atuações do Instituto Sou da Paz e do Fórum de Defesa da Vida.

Foi a aceleradora Artemisia que ajudou a transformar A Banca em um negócio social. “O moleque que teve contato com A Banca vai replicar o conhecimento. Isso pode tirá-lo do tráfico e colocá-lo em uma oficina”, diz. Bola deixou de trabalhar como motoboy e, desde 2007, dedica-se exclusivamente à produtora, que já promoveu mais de 50 eventos gratuitos para 20 mil jovens. “Nas atividades, fica nítido que a molecada está em busca de algo. O lado ruim é perder um moleque para o tráfico, para a pilantragem”, diz ele.

Bola se define como um “maloqueiro doido” que acredita nas pessoas. “Jamais alguém deve dizer à molecada que ela não é capaz, que não pode sonhar. Cheguei aqui por acreditar que há chance para as pessoas.” E dá a receita para quem quer ter o mesmo comprometimento de vida: “Tem que seguir pelo sonho e pelo coração, com estudo, persistência e insistência”.


Um novo caminho

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Camila Eiroa

Marcha da Maconha de São Paulo - 2014

Marcha da Maconha de São Paulo - 2014

Depois do curta Guerra ao Drugo, a Comissão Global de Política sobre Drogas acaba de lançar Sob Controle: caminhos para políticas de drogas que funcionam, um relatório de recomendações para governos lidarem com a questão proibicionista em seus respectivos países. A Comissão é composta por líderes mundiais como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e é presidida pelo ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan.

O documento será apresentado em 2016 na UNGASS - Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre drogas -, evento que reúne diplomatas para rever as políticas nacionais e o futuro do controle das substâncias ilícitas, a fim de garantir segurança, desenvolvimento e direitos humanos. Lá, poderá ser apresentado um novo tratado global sobre a questão.

A mensagem é clara: a guerra às drogas falhou desde o início, além de ter acarretado diversos problemas sociais que só podem ser revertidos com a mudança na lei. Em resumo, as recomendações são priorizar a saúde e a segurança da comunidade; garantir o acesso igualitário a medicamentos baseados em ópio; não criminalizar pessoas por porte ou uso de drogas e não impor tratamento compulsório; aplicar alternativas ao encarceramento de envolvidos na produção, transporte e comércio destas substâncias; diminuir o poder de organizações criminosas; permitir e incentivar experimentos e reformar o regime global de política de drogas.

Aqui, um trecho do resumo executivo: "É necessário um regime global de controle de drogas novo e aperfeiçoado, que proteja melhor a saúde e a segurança de indivíduos e comunidades no mundo todo. Medidas duras baseadas em ideologias punitivas devem ser substituídas por políticas mais humanas e eficazes, baseadas em evidências científicas, princípios de saúde pública e direitos humanos. Esta é a única maneira de reduzir simultaneamente as mortes, doenças e o sofrimento relacionados às drogas e a violência, o crime, a corrupção e os mercados ilícitos associados a políticas proibicionistas ineficazes."

Para ler o documento completo, em português, acesse http://ow.ly/BiEso.


Casa Tpm 2014: Inscrições abertas

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Casa Tpm deste ano já tem data certa para abrir as portas: 04 e 05 de outubro. Serão dois dias de conversas, debates, shows e muita coisa legail!

As inscrições para participar já estão abertas e podem ser feitas no site do evento

 

Te esperamos, vem!

A ORIGEM

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Cássio Vasconcellos

Vista da Restinga de Marambaia, entre Angra dos Reis e o Rio de Janeiro, pelas lentes do fotógrafo Cássio Vasconcellos. A imagem faz parte do livro Aéreas do Brasil (ed. Bei, 2014) 

Há sempre uma grande curiosidade sobre como surgem os temas que pautam as edições da Trip. É frequente ouvirem seminários, encontros com estudantes de jornalismo ou em conversas com leitores, anunciantes e outras pessoas que acompanham nosso trabalho – expressões muito espontâneas desse interesse.

“Como vocês inventam esses temas?”; “Vocês têm equipes de pesquisa?”; “Usam muito a internet ou revistas estrangeiras para detectar tendências?” A resposta, muito simples, causa sempre surpresa – e às vezes até algum espanto. Nossa grande fonte de pautas, ideias e temas é o sofrimento humano.

Trabalhamos fundamentalmente com nossa dificuldade de compreender quem diabos somos, os fenômenos que nos rodeiam e todo o drama que envolve nossa condição, fundada na mais pura e reluzente imperfeição.

Assim, fica fácil. Há sempre ideias brotando, jorrando por todos os lados, para onde quer que lancemos o olhar calibrado por essa lente.

Foi exatamente assim com o tema que atravessa esta edição. Numa conversa des- pretensiosa, olhando para o mar, com uma das mais competentes representantes da ciência brasileira – alguém que, através da biogenética, ajuda a desvendar alguns desses segredos que nos cercam –, algo inesperado surgiu.

Lygia da Veiga Pereira, a acadêmica em questão, vestindo biquíni e uma camiseta de lycra que defendia sua pele dos raios UV (nervosos naquele final de manhã), depois de remar por 50 minutos em seu stand-up em busca de um tipo de iluminação que não se encontra em laboratórios, inicia o relato: assistindo a um importante congresso de sua área realizado nos Estados Unidos, viu-se extasiada durante a apresentação de um colega norte-americano. O cientista apresentava inacreditáveis avanços que ele, junto de uma equipe numerosa, havia obtido na reprodução em laboratório de órgãos genitais de animais fêmeas. Em suas mãos, uma improvável vagina de coelha construída a partir de células-tronco era exibida como uma espécie de troféu científico, que enunciava um salto quântico para o alcance de estágios até pouco tempo impensáveis para a medicina reparadora.

Mas o fato que causou espécie a nossa observadora era ainda mais curioso. Durante cerca de 1 hora de apresentação, o estudioso não utilizou sequer uma vez a palavra “vagina”. Quase tão complexo como os estudos necessários para atingir seu feito histórico, parecia ser o esforço enorme que fazia para encontrar eufemismos e desvios que evitassem o vocábulo proibido.

A tarde caiu, o sol foi embora, mas a pergunta ficou. Por que afinal, depois de milênios de evolução, continuamos temendo e evitando uma parte da anatomia tão fundamental, presente e associada à ideia de vida? O que há por trás (e pela frente) desse tabu que parece resistir bravamente a todas as quedas de muros que se verificaram ao longo das últimas décadas?

Como costumamos dizer naqueles encontros e seminários mencionados no início: mesmo sabendo que quase sempre não haverá resposta, é preciso seguir perguntando.

PAULO LIMA, EDITOR

P.S. Por falar em origem, quero aproveitar este espaço para agradecer à Associação Nacional dos Editores de Publicações pela tão honrosa quanto imerecida homenagem recebida há al- guns dias, quando fui apontado como “Personalidade do ano 2014”. Sem qualquer traço de falsa modéstia, a única razão pela qual compartilho a notícia aqui é explicitar ainda mais um fato já bastante evidente: embora a honraria tenha contemplado o meu nome, penso que simbolizo uma ideia e uma visão de mundo que não foram construídas apenas por mim, mas pelos companheiros (a esta altura, contados em centenas) que estiveram e estão ao meu lado nessa longa e deliciosa viagem que completou, em agosto, 30 anos no rádio e 28 nos meios impressos. Assim, agradeço aqui a cada um de vocês.

A perseguida

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Bettie Page, pin-up definitiva pelas lentes de John Razan, no The Big Book of Pussy, da Taschen

Bettie Page, pin-up definitiva pelas lentes de John Razan, no The Big Book of Pussy, da Taschen

O clitóris é o único órgão humano cuja função reconhecida é apenas gerar prazer. Em O sexo da mulher, de 1967, o médico e escritor Gérard Zwang o descreve como “o inseparável educador da vagina, seu incitador ao prazer, seu vizinho de porta e melhor amigo”. Sua posição estrategicamente superficial torna difícil pensar que esteja ali somente para premiar um esforço reprodutivo. Faz supor que, representada ao longo da história por flores, cálices e monstros, a genitália feminina assusta por retirar do homem uma certa ilusão de controle.

Em seu livro de estreia, Personas sexuais: arte e decadência de Nefertite a Emily Dickinson, a intelectual americana Camille Paglia fala sobre os mistérios que circundam a vulva e o útero na mitologia antiga. Em diversas tradições, essa região da anatomia feminina surge como um reino escuro, capaz de tragar desavisados. Uma das lendas fala sobre a “vagina dentada”, espécie de monstro castrador de homens. “Mitchell Lichtenstein, que foi meu aluno, ficou com essa cena na cabeça e acabou fazendo um filme de terror satírico chamado A vagina dentada, sobre uma jovem que percebe que sua genitália tem o poder de castrar”, conta Paglia em entrevista à Trip. “Você me pergunta o que significa o pênis hoje e eu acho que ele continua significando o poder, ainda que decaído. Já a vulva, bem, a vulva é essa instância supostamente dentada que ameaça o poder”, explica.

O mito da vagina dentada revela como o homem heterossexual vê o sexo das mulheres, diz o médico e psicanalista Francisco Daudt: frequentemente, com medo. “Elas detêm o poder de escolha, já eles devem se apresentar com ereção duradoura e orgasmo visível para que possam lançar suas sementes. A mulher não precisa de uma exibição de tesão tão consistente para procriar, suas falhas sexuais são mais camufláveis. Para o homem, resta o medo de falhar diante do ícone desejado, que se torna ameaçador”, diz.

CASTRAÇÃO OCIDENTAL

Há muitos modos de desarmar uma vulva. Cintos de castidade já confinaram esses monstros descontrolados. Em alguns países do Oriente, a amputação do clitóris busca minar fisicamente o prazer feminino. No Ocidente moderno, a obsessão pela beleza dos corpos atinge as partes baixas com procedimentos que vão da depilação a cirurgias estéticas que diminuem a sensibilidade da região, como a cirurgia de redução do capuz clitoriano e a ninfoplastia.

A exigência higienista de que a mulher seja bonita em seus mínimos detalhes mina o prazer, é a sutil castração ocidental. “A ideia de beleza e adequação passa a ser uma noção moralista, não obstante os corpos considerados bonitos ficam gradualmente mais assépticos”, diz Marcos Pais, psiquiatra do hospital Vera Cruz, em São Paulo. Há muitos modos de desarmar uma vulva: a tentativa da vez é a padronização. 

O Banco Mundial da Genitália é uma plataforma de compartilhamento de fotos de órgãos sexuais que já recebeu mais de 5 mil imagens. O projeto, criado por João Kowacs, Caroline Barrueco e Luiza Só, busca catalogar a diversidade das partes baixas com fotos de pessoas trans e cisgêneras (pessoas cuja identidade de gênero coincide com o sexo biológico). “O banco pode ser definido como um projeto artístico, uma militância, um arquivo de imagens”, explica Kowacs. A ideia surgiu depois de uma transa, quando João virou para Caroline e disse: “Alguém tinha que fazer um catálogo de genitálias humanas”. A ideia se dissipou, como tantos projetos que começam na cama, mas acabou concretizada há dois anos.

Expostas em um site, as fotos do banco não trazem identificação do modelo nem do fotógrafo. Não é possível saber se uma vulva específica veio de Berlim ou do Rio de Janeiro, mas os organizadores tentam imprimir certa coerência. “A ideia do projeto é ser mais informativo do que erótico, por isso a genitália é apresentada fora do contexto sexual, de excitação”, explica Kowacs. “Mais de 95% das fotos que recebemos são rejeitadas, não aguento mais ver foto de pau duro ao lado de latas de Pringles”, ri Barrueco. Atualmente, o banco recebe quatro vezes mais pintos que vulvas. As fotos são enviadas pelos participantes através do site genitalia.me ou tiradas em festas, em cabines especiais desenvolvidas pelos artistas.


"O padrão de vulva que vem se construindo é fechado em si mesmo, com lábios pequenos, lembra um coração. É como se a genitália precisasse refletir os valores que se espera da mulher; é um tipo de vulva que, mesmo exposta, pouco mostra"


Num mundo em que a genitália feminina ainda é tabu, a plasticidade e a maneira como é exposta podem determinar muita coisa. Alexandre Machado foi redator-chefe da Playboy durante a década de 1980 e assinou contratos com artistas importantes, como Sônia Braga e Vera Fischer. Em seu apartamento em São Paulo, pende um quadro com autógrafo de Xuxa, concedido durante seu ensaio para a revista, em 1982. “Naquela época, a censura operava de um jeito cômico. Podia-se, por exemplo, mostrar um seio, mas os dois na mesma foto não, a família brasileira não podia lidar com uma mulher de dois seios.” Para Machado, a vulva continua sendo o epicentro do moralismo: “Qual a diferença entre um nu dito de bom gosto e um de mau gosto? A forma como a vulva é trabalhada. Se aparece escancarada, é de mau gosto. Se é desvelada, se aparece mais como sugestão do que como órgão, aí tudo bem”, diz. "O choque diante da xoxota é que ali já não dá para fingir que o corpo da mulher é uma obra de arte, uma coisa para contemplação. A boceta deixa claro a que veio, intimida o homem.”

O PESSOAL É POLÍTICO

Para Suely Gomes Costa, historiadora da Universidade Fluminense que pesquisa relações de gênero, a imposição de uma “bela vulva” segue a tendência geral de lidar com os corpos como produtos que devem ser constantemente aperfeiçoados: “O retoque na genitália passa a ser visto com a mesma naturalidade de um retoque no nariz ou nas rugas”. Para ela, são consideradas feias as genitálias “largas, espaçosas, assimétricas, gordas, escuras, caídas, com clitóris proeminente, muito peludas ou com pelos que se prolongam pelo ânus”. “O padrão de vulva que vem se construindo é fechado em si mesmo, com lábios pequenos, lembra um coração. É como se a genitália precisasse refletir os valores que se espera da mulher; é um tipo de vulva que, mesmo exposta, pouco mostra”, conclui.

É tanta prescrição de como a vulva devia se portar que talvez o melhor apelido para ela seja mesmo perseguida. As diretoras alemãs Claudia Richarz e Ulrike Zimmermann acabam de rodar o filme Vulva 3.0 (premiado na Berlinale e que será exibido no Festival do Rio, no fim deste mês), que trata de modificações na vulva, desde a circuncisão até as cirurgias plásticas íntimas. Para elas, a radicalização da depilação, somada aos retoques das imagens da pornografia, deixaram os contornos externos da vulva mais expostos (e idealizados), o que acabou incentivando plásticas na região: “A depilação total poderia ser um ritual de afirmação, uma forma de expor e celebrar a genitália feminina, mas acabou acirrando um ideal de beleza absurdo e digital. Mulheres que não celebram nem conhecem bem sua própria vulva ficam extremamente críticas consigo mesmas e se deixam operar para ficar parecendo uma fotografia retocada”, opinam. Não à toa, o Brasil, país que batizou o termo em inglês para a depilação total (Brazilian wax) é também o campeão de cirurgias íntimas, segundo dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica. “A mulher tem medo de ser inadequada em suas partes íntimas, teme que elas não pareçam atrativas para si e para o outro”, explica a ginecologista Ana Vargas.

 

"O pênis hoje continua significando o poder, ainda que decaído. Já a vulva, bem, a vulva é essa instância supostamente dentada que ameaça o poder"

 

O feminismo trouxe para o domínio público questões da esfera privada. Mais do que pregar a igualdade de gêneros, esse sistema de pensamento começou a problematizar assuntos domésticos. “O pessoal é político”, dizia o slogan da segunda onda feminista, iniciada nos anos 1960, ressaltando as ligações entre a experiência pessoal e a estrutura social. “Temas como a dificuldade de obter prazer, a violência doméstica e a masturbação passaram a ser discutidos coletivamente. Priorizar seu próprio prazer tornou-se um posicionamento político da mulher”, explica Marcos Pais.

“Historicamente, nota-se uma ligação entre os avanços da mulher no campo sexual e as exigências estéticas que surgem para minar esse avanço”, diz Pais. Quando o comprimento das saias começou a subir, surgiu a paranoia com a celulite. Agora, calças justas, biquínis e uma maior exposição da vulva acarretam em preocupações sobre formatos e cores da região íntima, o que alimenta uma indústria de clareamentos, plásticas e adereços como o famigerado cuchini, usado pelas misses para camuflar a dobrinha da xoxota, dando aquele aspecto de Barbie. “Essa busca pela beleza se confunde muito com uma ação moralizante. Quando já não é possível dizer que as mulheres não podem mostrar uma parte do corpo ou fazer algo, o passo seguinte é criar uma série de restrições estéticas e vagamente médicas para impedir aquilo”, conclui Pais. (Colaborou Flora Lahuerta)

Espírito e boceta

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Divulgação/Lust Films

espiritoeboceta

Espírito e boceta são, para mim, as palavras mais lindas da língua portuguesa. São enigmáticas, contundentes. Não existem outras que evoquem tão bem nossa vontade de vencer a obsolescência da carne, do organismo, do corpo; que traduzam de forma tão certeira a sensação de poder e plenitude que a inteligência nos dá: o prazer do intelecto funcionando para entender e modificar a vida na Terra.

Boceta é palavra que provoca visões de outras dimensões, enigmas de transcendência. Salto no escuro da nossa insignificância, lugar de onde viemos e para onde nós, homens, sempre somos chamados de volta.

A boceta é o ponto de partida para o espírito e para tudo o que existe em termos de civilização,
pois, da foda inicial até o parto, há toda uma viagem orgânica de mutações celulares, hormonais, musculares e carnais na gestação de cérebros e corações, esses bunkers dos afetos, das imaginações e das cognições que comandam nossas vidas. Tudo, inclusive o espírito, acontece primordialmente nesse túnel do amor – no sentido mais amplo e terrível. É a caixa-preta, quer dizer, rosada, onde são geradas todas as informações humanas.


"A boceta é a caixa-preta, quer dizer rosada, onde são geradas todas as informações humanas"


Adoro falar boceta e sempre faço o que Henry Miller fazia quando conhecia uma nova mulher, que ele chamava de boceta, pois ali está o cerne da fêmea – e ele, quando conhecia uma nova mulher- boceta, sempre se entregava ao ritual clínico, científico, ginecológico, quase cirúrgico, de ficar examinando a racha, seu interior e perímetro, pois ali estará sempre a origem do mundo; e tocar, acariciar, chupar, cheirar, beijar, penetrar suavemente ou socar brutalmente seu interior (mesmo menstruada) é de alguma forma entrar em contato com todos os big bangs possíveis. Explosão de gozo e criação.

Vagina também é uma palavra adorável, apesar de científica designação anatômica. Também nos empurra mulher adentro e nos faz pensar nos treinamentos, nos exercícios para aumentar a potência desse túnel muscular. Faz pensar nas tailandesas mestras do pompoarismo, essa modalidade de musculação bocetântrica que ensina as mulheres a aprisionar pirocas, lançar bolas de pingue-pongue à distancia ou simplesmente aumentar o orgasmo, controlando suas contrações e espasmos.

Mesmo que, no futuro, a reprodução migre para outras partes do corpo, mesmo que de alguma forma a penetração seja substituída por orgasmos teleguiados digitalmente, a boceta será sempre a protagonista, o centro do pensamento sensual, dissolvendo os egos mais vaidosos e orgulhosos. Toda boceta é de Pandora, contendo segredos terríveis, enigmas desconcertantes. Vagina. Altar de todas as penetrações e da pequena morte. Altar do flerte com a Queda, a Serpente e a Árvore do Conhecimento. Altar da Foda. Vagina-me, baby. Adoro boceta.

*Fausto Fawcett é escritor, compositor, autor do hit “Kátia Flávia” e PhD em boceta

A arte de escutar

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Beto Macedo

Qual é o maior inimigo da paz mundial hoje? O terrorismo? A fome? O aquecimento global? Nada disso: “O medo é o maior inimigo”, declara enfático William Ury, um dos mais disputados mediadores de conflito do mundo, nos bastidores, pouco antes de subir ao palco do evento que deu inicio ao Trip Transformadores 2014. A plateia que lotava o auditório do Instituto Tomie Othake, teve a oportunidade de ver o encontro entre Marcello Dantas, uma das mentes criativas mais inquietas do Brasil, com Ury, que tem a paz por profissão. 

É claro que transformar o mundo através da promoção da harmonia é uma tarefa extremamente complexa, mas Ury parece encarar o desafio com leveza e fé na humanidade, para ele, a receita é simples: ouvir.  “Na era da comunicação, onde todos têm voz, todo mundo tem uma necessidade de falar e se expressar, mas poucos querem ouvir. Sonho com uma sociedade que saiba ouvir”, nosso convidado voltou neste ponto mais de uma vez. Comparou saber ouvir com uma técnica a ser desenvolvida. “É como aprender português ou gramática, as pessoas devem ser incentivadas a ouvir, porque ouvir é o jeito mais barato de prevenir uma guerra”. 

Com a experiência de quem cresceu e se formou antropólogo durante a Guerra Fria, para ele toda guerra pode ser prevenida. “Conflitos sempre começam em uma escala muito pequena, a Primeira Guerra Mundial, por exemplo, começou com um conflito localizado, que foi crescendo aos poucos e culminou em um conflito mundial. Ury citou também outro fator: humilhação e exclusão. “Quando um grupo se sente humilhado e excluído, certamente haverá conflito. Só há um jeito de resolver o problema da exclusão, incluindo.

William não atua somente no campo diplomático, no bate-papo, ele citou o exemplo de quando foi chamado a mediar o conflito entre Abílio Diniz e o grupo francês Casino, que comprou o Pão de Açúcar. Para isso, conta que perguntou ao empresário “Abílio, o que você realmente deseja?”, e a resposta, foi “liberdade”. A partir deste episódio, a conversa entre as partes interessadas começou a progredir. Para ele, não há questão que não possa ser resolvida na base do diálogo. "A humanidade é uma família e, em toda festa de família, há também os conflitos. o segredo é ouvir o outro para que possamos conviver em paz”, finaliza Ury, mostrando que é, sim, possível transformar o mundo em um lugar mais tranquilo.

Vai lá: Leia também as Páginas Negras de William Ury.

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